Cartas

Zolpidem, receita B ou controle especial?

Zolpidem, prescription B or special control?

¿Zolpidem, prescripción B o control especial?

1. Angela Bertoldo
e-mail orcid Lattes

2. Isabela Moreira Abujamra
orcid Lattes

3. Claudia de Ceni Britto
orcid Lattes

4. Felipe Yoshio Tabushi
Lattes

5. Victor Hugo Souza Hortense
orcid Lattes

Filiação dos autores:

1-5 [Especializandos, Programa de Formação em Psiquiatria, Clínica Heidelberg, Curitiba, PR, Brasil]

Editor-chefe responsável pelo artigo: Leandro Fernandes Malloy-Diniz

Contribuição dos autores segundo a Taxonomia CRediT: Bertoldo A, Abujamra IM, Zanardi HC, Tabushi FY, Hortense VHS [1, 12, 13, 14]

Conflito de interesses: declaram não haver

Fonte de financiamento: declaram não haver

Parecer CEP: não se aplica

Recebido em: 15/01/2024 | Aprovado em: 04/02/2024 | Publicado em: 16/02/2024

Como citar: Bertoldo A, Abujamra IM, Zanardi HC, Tabushi FY, Hortense VHS. Zolpidem, receita B ou controle especial? Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024;14:1-4. https://doi.org/10.25118/2763-9037.2024.v14.1138

Resumo

O zolpidem é um hipnótico não benzodiazepínico que age na subunidade α1 dos receptores GABA-A. Apesar da sua eficácia para tratamento da insônia inicial e de manutenção é um composto associado ao risco de abuso e dependência, com relatos de casos na literatura científica desde a década de 90- logo após a sua aprovação e comercialização. Infelizmente, desde a pandemia COVID-19, houve um aumento alarmante das vendas e do uso indiscriminado do hipnótico. Segundo a Portaria SVS/MS n.º 344/98, o zolpidem faz parte da Lista “B1”- sujeitas a Notificação de Receita "B"; mas que desde a resolução de 2002 passou a ser fornecida mediante receita de controle especial duas vias para doses de até 10 mg. De acordo com a breve pesquisa realizada neste artigo, parece existir fundamentos que apoiam a sugestão de reavaliação da dispensação do zolpidem somente via receita “B” independente da dose, como tentativa de medida de controle de acesso ao indutor do sono e dos impactos associados. No entanto, é necessário um levantamento vasto na literatura à luz do rigor científico para ratificar essa proposta de alteração na prescrição.

Palavras-chave: transtornos relacionados ao uso de substâncias, zolpidem, saúde pública, abuso de medicamentos sob prescrição.

Abstract

Zolpidem is a non-benzodiazepine hypnotic that acts on the α1 subunit of GABA-A receptors. Despite its effectiveness for treating initial and maintenance insomnia, it is a compound associated with the risk of abuse and dependence, with case reports in the scientific literature since the 90s - shortly after its approval and commercialization. Unfortunately, since the COVID-19 pandemic, there has been an alarming increase in hypnotic sales and indiscriminate use. According to SVS/MS Ordinance No. 344/98, zolpidem is part of List “B1” - subject to “B” Prescription Notification; but since the 2002 resolution, two copies for doses of up to 10 mg have been provided via special control prescription. According to the brief research carried out in this article, there seem to be grounds that support the suggestion of reevaluating the dispensing of zolpidem only via prescription “B” regardless of the dose, as an attempt to control access to the sleep inducer and the associated impacts. However, a vast literature survey is necessary in light of scientific rigor to ratify this proposed change in prescription.

Keywords: substance-related disorders, zolpidem, public health, abuse of prescription medications.

Resumen

El zolpidem es un hipnótico no benzodiazepínico que actúa sobre la subunidad α1 de los receptores GABA-A. A pesar de su eficacia para tratar el insomnio inicial y de mantenimiento, es un compuesto asociado al riesgo de abuso y dependencia, con reportes de casos en la literatura científica desde los años 90 -poco después de su aprobación y comercialización-. Desafortunadamente, desde la pandemia de COVID-19, ha habido un aumento alarmante en la venta de hipnóticos y en su uso indiscriminado. Según la Ordenanza SVS/MS nº 344/98, el zolpidem forma parte de la Lista “B1” - sujeto a Notificación de Prescripción “B”; pero desde la resolución de 2002 se suministran dos ejemplares para dosis de hasta 10 mg mediante prescripción de control especial. Según la breve investigación realizada en este artículo, parece haber fundamentos que sustentan la sugerencia de reevaluar la dispensación de zolpidem únicamente mediante prescripción “B” independientemente de la dosis, como un intento de controlar el acceso al inductor del sueño y a los medicamentos asociados. impactos. Sin embargo, es necesario un amplio estudio de la literatura a la luz del rigor científico para ratificar este cambio propuesto en la prescripción.

Palabras clave: trastornos relacionados con sustancias, zolpidem, salud pública, abuso de medicamentos recetados.



Prezados editores e leitores do periódico Debates em Psiquiatria


O zolpidem é um hipnótico não benzodiazepínico que age na subunidade α1 dos receptores GABA-A. É um agente hipnótico não benzodiazepínico com pouca ação ansiolítica, miorrelaxante e anticonvulsivante . É comercializado na Europa desde 1987 e aprovado pelo órgão Food and Drug Administration (FDA) nos EUA em 1992.

No Brasil, de acordo com a Portaria SVS/MS n.º 344/98, estabelecida em 1998, o zolpidem faz parte da Lista “B1” – Substâncias Psicotrópicas. Nesta portaria, em seu art. 45, as medicações da lista B1 estão sujeitas a Notificação de Receita "B", ou seja, receituário azul . No entanto, em 2002 foi publicada a Resolução da Diretoria Colegiada - RDC N.º 232 que determina que as preparações de zolpidem até a dosagem de 10 mg por unidade sejam comercializadas com receita de controle especial em duas vias, mantendo Receita “B” somente as formulações com dose superior a 10 mg .

Em 2021, a Associação Brasileira do Sono (ABS) publicou o consenso intitulado “Insônia: do diagnóstico ao tratamento”, o qual define a terapia cognitivo comportamental para insônia (TCC-I) como primeira linha de tratamento da insônia a curto prazo; e o tratamento farmacológico como a escolha principal quando há impossibilidade de acesso, não adesão ou falha terapêutica da TCC-I. O zolpidem é recomendado para o tratamento da insônia inicial e de manutenção a curto prazo. Porém, o consenso alerta para o aumento dos efeitos adversos, riscos de abuso e dependência conforme a dose e o tempo de uso .

Em 2023, a associação publicou uma nota oficial reforçando o cuidado com os efeitos adversos do zolpidem, como a sonolência, confusão mental, tontura, amnésia anterógrada, alucinações e parassonias. Além de relembrar da recomendação do FDA para iniciar com metade da dose (5 mg para a apresentação de liberação imediata ou 6,25 mg para a de liberação controlada) nos idosos e mulheres, devido aos riscos associados ao uso. Ademais, a agência americana também advertiu para o risco de comportamentos anormais com o uso da medicação e o risco da associação com bebidas alcoólicas, preconizando o monitoramento durante o tratamento .

Hajak e colaboradores publicaram em 2003 uma revisão sistemática que encontrou, no período de 1993 a 2002, 36 relatos de casos de abuso de zolpidem. Os autores associaram a um risco maior de abuso do hipnótico os pacientes com histórico de abuso de substâncias psicoativas. Até o momento desta publicação, não haviam estudos que avaliavam essa associação e tão pouco a tolerância e a abstinência relacionadas ao uso do zolpidem a longo prazo características estas que hoje a comunidade científica sabe que aumentam o risco da dependência do hipnótico.

A revisão da literatura elaborada por Dawison de Lima et al. aponta que há evidências suficientes que mostram o aumento do uso de zolpidem desde o início da pandemia COVID-19; e alerta para o uso indiscriminado da medicação, seja pelo efeito hipnótico ou pelos efeitos colaterais imediatos- como a sensação de euforia e as alterações da sensopercepção. No Brasil, de acordo com o artigo, a ANVISA registrou nos últimos anos um aumento de 645% das vendas do zolpidem. Por fim, os autores sugerem às autoridades e profissionais de saúde medidas de controle sobre a distribuição e comercialização do zolpidem.

Diante desse contexto preocupante, buscamos brevemente na literatura e nas normativas fundamentos que poderiam sustentar a opinião de muitos especialistas do zolpidem ser prescrito em receita “B” independente da dose, como uma tentativa de medida de controle de acesso. De acordo com as informações apresentadas ao longo do texto, parece existir razões para a reavaliação da dispensação do zolpidem. No entanto, se faz necessário um levantamento vasto na literatura à luz do rigor científico para ratificar essa alteração na prescrição do hipnótico.

Referências

1. Associação Brasileira do Sono. https://absono.com.br/publicacoes-sono/

2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Portaria n. 344, de 12 de maio de 1998. Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/svs/1998/prt0344_12_05_1998_rep.html

3. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução da Diretoria Colegiada – RDC n. 232, de 11 de dezembro de 2001. https://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/RDC_232_2001_.pdf/6f1421a8-a554-42de-84c1-a3051244b335

4. Hajak G, Muller WE, Wittchen HU, Pittrow D, Kirch W. Abuse and dependence potential for the non-benzodiazepine hypnotics zolpidem and zopiclone: a review of case reports and epidemiological data. Centre for Reviews and Dissemination (UK), 2003. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK69689/

5. Lima WD, Silva MD, Costa, Pinheiro FI, Azevedo EP, Cobucci REN, Cavalcanti JRLP, Guzen FP. Abusive use of zolpidem as a result of COVID-19 and perspectives of continuity of the problem in the post-pandemic period. Curr Neuropharmacol, 20 Sept. 2023, https://doi.org/10.2174/1570159X21666230920123401 PMCid:PMC10190153

Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024