Resenhas de Livros

Dopamina em foco: uma análise comparativa entre os livros “Nação Dopamina” e “Dopamina, a molécula do desejo”

Dopamine in focus: a comparative analysis between the books “Dopamine Nation” and “Dopamine, the molecule of desire”

La dopamina en el punto de mira: un análisis comparativo entre los libros “Dopamine Nation” y “Dopamine, la molécula del deseo”

1. Letícia Ruthes Niz
e-mail orcid Lattes

2. Angela Bertoldo
orcid Lattes

3. Marina Zavadinack e Silva
orcid Lattes

4. Isabelle Rosas Nadal
orcid Lattes

5. Carolina Hirai
orcid Lattes

5. Anny Muniz Narciso
orcid Lattes

Filiação dos autores:

[Especializandos, Programa de Formação em Psiquiatria, Clínica Heidelberg, Curitiba, PR, Brasil]

Editor-chefe responsável pelo artigo: Thiago Henrique Roza

Contribuição dos autores segundo a Taxonomia CRediT: Niz LR, Bertoldo A, Silva MZ, Nadal IR, Hirai C, Narciso AM [1-2, 5, 6-8, 13-14]

Conflito de interesses: declaram não haver

Fonte de financiamento: declaram não haver

Parecer CEP: não se aplica

Recebido em: 17/01/2024 | Aprovado em: 04/06/2024 | Publicado em: 16/07/2024

Como citar: Niz LR, Bertoldo A, Silva MZ, Nadal IR, Hirai C, Narciso AM. Dopamina em foco: uma análise comparativa entre os livros “Nação Dopamina” e “Dopamina, a molécula do desejo”. Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024;14:1-4. https://doi.org/10.25118/2763-9037.2024.v14.1142

Resumo

Palavras-chave: dopamina, transtornos relacionados ao uso de substâncias, drogas.

Keywords: dopamine, substance-related disorders, drugs.

Palabras clave: dopamina, trastornos relacionados con sustancias, drogas.



O Brasil é o 3º país que mais consome redes sociais no mundo, segundo o último levantamento da Comscore, sendo YouTube, Facebook, Instagram e TikTok as mais acessadas, respectivamente. O motivo pelo qual milhares de brasileiros passam cerca de quarenta e seis horas por mês nessas plataformas pode ser melhor compreendido quando nos debruçamos sobre a neurofisiologia envolvida em nosso sistema de recompensa. Não é possível, porém, falar sobre prazer e recompensa sem falar sobre dopamina.

Motivada pelo interesse acadêmico e em compartilhar experiências, a psiquiatra e pesquisadora Anna Lembke, em 2021, lançou o livro, que foi considerado best-seller do New York Times e Los Angeles Times, "Nação Dopamina" , traduzido para o português em 2022 e lançado no Brasil, onde também se tornou sucesso de vendas. O assunto, apesar de colecionar vários novos interessados, já havia sido discutido em obra literária por outro pesquisador, professor e psiquiatra Daniel Z. Lieberman, em colaboração com o escritor, palestrante, professor e roteirista Michael E. Long, no livro intitulado "Dopamina, a molécula do desejo" , lançado em 2018, porém traduzido para o português apenas em 2023.

Dois livros, uma monoamina. Obras redundantes ou complementares?

"Nação Dopamina" inicia a experiência literária com um problema: o consumo compulsivo desenfreado na atualidade. Logo traça um objetivo, que é oferecer soluções práticas para lidar com os atos compulsivos. Porém, antes de se atrever a propor soluções para os leitores já nas páginas iniciais, a autora analisa os fundamentos de neurociência envolvidos no processo de recompensa. Amplia a narrativa ao acrescentar, ao longo dos capítulos, relatos e casos clínicos da prática de consultório psiquiátrico. Desta forma, a psiquiatra entrelaça conceitos teóricos que são, a princípio, pouco sedutores para leigos, como "neurotransmissor", "adicção" e "neuroadaptação", com histórias reais de pacientes que possuem características comuns àqueles que conhecemos.

É possível perceber o interesse da autora em se aproximar dos pacientes, demonstrando seu componente humano, ao expor uma experiência pessoal de comportamento adicto. Desta forma, Lembke consegue ilustrar os sinais da dependência, facilitando a visualização da problemática, bem como possibilitando a identificação do leitor com o tema. Facilitando ainda mais a compreensão, imagens ilustram o texto e transformam a imagem subjetiva, como a relação entre um neurônio pré e pós-sináptico, em algo compreensível a qualquer interessado minimamente atento à leitura.

O livro, apesar do que considera ser — um livro sobre prazer — limita-se a explorar as relações humanas com jogos, internet, sexo, livros, trabalho e drogas lícitas e ilícitas. Pouco explora, por exemplo, o conceito do prazer, suas nuances e percepções individuais. O que não ofusca o mérito da obra, pois a dádiva escondida nas páginas está no esmiuçado roteiro de coleta de informações e proposta de tratamento que a autora sugere aos pacientes sob sua tutela, representado pelo acrônimo "DOPAMINE". Ao cumprir os passos, esse paciente teria, então, restaurado a homeostase dopaminérgica e estaria, por fim, novamente capacitado a experimentar prazer de forma saudável.

"Dopamina, a molécula do desejo", por outro lado, não se define no prefácio como um livro sobre prazer, mas é mais competente ao descrever o sentimento, bem como a relação deste com o comportamento humano. Aborda a função da dopamina no aspecto mais amplo do neurotransmissor, como autor principal nas histórias de dependência química, mas também nas de paixão, dominação, criatividade, loucura, política e de sobrevivência da espécie humana.

Dedicando um capítulo para cada interface acima descrita, Lieberman e Long explicam questionamentos e comportamentos milenares do ser humano, como a diferença entre amor e paixão, o interesse sobre a vida glamurosa dos famosos que movimenta bilhões de dólares através dos tabloides, a persistência que motiva uma virada histórica em um jogo de futebol americano, a limitação do Q.I na definição de inteligência, as divergências éticas e morais entre liberais e conservadores, além do interesse pela exploração e conquista de territórios. Some ao conteúdo uma prosa descontraída e ilustrações — aqui menos lúdicas que as de "Nação Dopamina" e, talvez, menos eficazes para pessoas em um primeiro contato com o assunto. Apesar da arte complementar, a obra americana lançada em 2018 consegue entregar um panorama sobre o neurotransmissor, a correlação com os sentimentos mais tenros do ser humano, bem como as consequências de desafiar o perfeito equilíbrio entre desejo e as substâncias do “aqui e agora”, ou A&As, como definem tudo aquilo que nos possibilita desfrutar o presente.

Ambas obras buscam ao longo da leitura ensinar o leitor sobre o básico do nosso sistema dopaminérgico e como ele determina nosso comportamento em diversos aspectos. Também pontuam que a nossa caminhada deve seguir pelo caminho do equilíbrio e, caso haja desvio, especialmente quando relacionado a substâncias psicoativas, o autocomprometimento e responsabilização são capazes de restaurar a homeostase perdida. Enquanto Anna Lembke traz holofote especialmente para as dependências e consequências desastrosas que essas podem causar, Lieberman e Long expandem os tópicos para dimensões que também são do interesse leigo e especialista, pois permeiam as relações interpessoais de todos os seres humanos.

As obras, por conseguinte, funcionam bem como complementares para todos aqueles que desejam melhorar o repertório sobre o tema, inclusive para psiquiatras que desejam ter obras literárias como recurso extra na psicoeducação de seus pacientes – seja para aqueles que passam mais de quarenta horas mensais vidrados em redes sociais, seja aos que apenas precisam de mais informações sobre o assunto.

Referências

1. Lembke A. Nação dopamina: por que o excesso de prazer está nos deixando infelizes e o que podemos fazer para mudar. Vestígio; 2022.

2. Lieberman DZ, Long ME. Dopamina: a molécula do desejo. Sextante; 2023.

Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024