Artigo Original

Análise retrospectiva da produção e funcionamento da rede de atenção à saúde mental da cidade de São Paulo entre 2017 e 2022

Retrospective analysis of the production and functioning of the mental health care of the city of São Paulo between 2017 and 2022

Análisis retrospectivo de la producción y funcionamiento de la atención en salud mental de la ciudad de São Paulo entre 2017 y 2022

1. Manuela Prazeres Santos
e-mail orcid Lattes

2. Roberta Candal de Macedo Shibaki Souza
orcid Lattes

Filiação dos autores:

1 [Residente de psiquiatria, Hospital Municipal Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha, São Paulo, SP, Brasil]

2 [Coordenadora de Serviço de Psiquiatria e de Residência Médica em Psiquiatria, Hospital Municipal Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha, São Paulo, SP, Brasil]

Editor-chefe responsável pelo artigo: Alexandre Martins Valença

Contribuição dos autores segundo a Taxonomia CRediT: Santos MP [1,2,3,5,6,12,13,14], Souza RCMS [1,3,6,8,10,11,12,14]

Conflito de interesses: declaram não haver

Fonte de financiamento: declaram não haver

Parecer CEP: não se aplica

Recebido em: 21/01/2024 | Aprovado em: 17/06/2024 | Publicado em: 01/08/2024

Como citar: Santos MP, Souza RCMS. Análise retrospectiva da produção e funcionamento da rede de atenção à saúde mental da cidade de São Paulo entre 2017 e 2022. Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. https://doi.org/10.25118/2763-9037.2024.v14.1143

Resumo

Introdução: A atenção à saúde mental no Brasil mudou com o passar dos anos e, hoje, estrutura-se em redes de atenção psicossocial. A cidade de São Paulo pelas dimensões de território, população e economia torna-se importante objeto de estudo a cerca da produção e funcionamento da assistência à saúde mental na rede pública. Metodologia: Coleta de dados na plataforma TabNet DATASUS da cidade de São Paulo, com as variáveis: produção CAPS e ambulatório, número de AIHS, tempo de internação hospitalar, CID, além do perfil de pacientes e gastos desses serviços, no período de 2017 a 2022. Resultados: A assistência psiquiátrica ambulatorial na cidade teve uma média de 627.692 procedimentos por ano, com gasto de R$ 5.014.354,00. Ao longo de seis anos, registraram-se 66.279 internações, sendo, na maioria, homens, com um gasto anual de R$ 8.174.150,52. Os transtornos psicóticos se destacaram entre os CID de internação, estando o tempo de internação entre 8 e 14 dias. Os CAPS prestaram 1.651.516 assistências por ano, a um custo anual de R$ 1.176.181,00. Em todos os serviços, predominaram pacientes de 20 a 59 anos. Conclusão: São importantes estudos que analisem a rede pública de saúde mental na cidade de São Paulo, superando as limitações instrumentais e informacionais, para uma melhora da assistência psiquiátrica.

Palavras-chave: epidemiologia, produção, financiamento, saúde mental.

Abstract

Introduction: Mental Health in Brazil has changed over the years. Today, there is talk of a psychosocial care network. The city of São Paulo follows this process, and the analysis of the production and functioning of mental health in the public network of the city of São Paulo is of interest. Methodology: Data were collected on the TABNET DATASUS platform in the city of São Paulo. The variables were: CAPS and Outpatient Clinic production, number of AIHS, length of hospital stay, ICDs, as well as the profile of patients and their expenses services. From 2017 to 2022. Results: Outpatient psychiatric care in the city has an average production of 627,692 procedures/year with an expenditure of R$ 5,014,354.00. Over 6 years, there were 66,279 hospitalizations, with men being hospitalized more than women. And, the annual expenditure corresponds to R$ 8,174,150.52. Psychotic disorders stand out among the ICDs of hospitalization. The length of hospital stay is between 8-14 days. The CAPS provided 1,651,516 assistances/year with a production value of R$ 1,176,181.00/year. In all services, patients aged 20-59 years predominate. Conclusion: It is important to study the public mental health network in the city of São Paulo, overcoming instrumental and informational limitations, in order to improve psychiatric care.

Keywords: epidemiology, production, financing, mental health.

Resumen

Introducción: La Salud Mental en Brasil ha cambiado a lo largo de los años. Hoy se habla de una red de atención psicosocial. La ciudad de São Paulo sigue este proceso, siendo de interés el análisis de la producción y funcionamiento de la salud mental en la red pública de la ciudad de São Paulo. Metodología: Los datos fueron recolectados en la plataforma TABNET DATASUS en la ciudad de São Paulo. Las variables fueron: producción de CAPS y Ambulatorios, número de AIHS, tiempo de estancia hospitalaria, DAI, así como el perfil de los pacientes y sus gastos en servicios. De 2017 a 2022. Resultados: La atención psiquiátrica ambulatoria en la ciudad tiene una producción promedio de 627.692 procedimientos/año con un gasto de R$ 5.014.354,00. Durante 6 años, hubo 66.279 hospitalizaciones, siendo los hombres hospitalizados más que las mujeres. Y el gasto anual corresponde a R$ 8.174.150,52. Entre los DAI de hospitalización destacan los trastornos psicóticos. La duración de la estancia hospitalaria es de 8 a 14 días. El CAPS proporcionó 1.651.516 asistencias/año con un valor de producción de R$ 1.176.181,00/año. En todos los servicios predominan los pacientes entre 20 y 59 años. Conclusión: Es importante estudiar la red pública de salud mental en la ciudad de São Paulo, superando limitaciones instrumentales e informacionales, para mejorar la atención psiquiátrica.

Palabras clave: epidemiología, producción, financiamiento, salud mental.

Introdução

Na década de 1970, estruturou-se um movimento sociopolítico no Brasil baseado nos ideais italianos de desinstitucionalização, a favor de mudanças no modelo hospitalocêntrico na saúde mental, que posteriormente foi nomeado reforma psiquiátrica brasileira. Com o tempo, ocorreriam a Declaração de Caracas e a 2ª Conferência Nacional de Saúde Mental as quais trataram da implementação de Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) e hospitalizações psiquiátricas .

Em 1989 houve a apresentação do projeto de Lei Paulo Delgado a partir do qual se estabeleceu a Lei nº 10.216, com maior atenção aos direitos das pessoas com transtorno mental . No mesmo ano, a III Conferência Nacional em Saúde Mental veio a ser um real norteador para a extinção dos manicômios no país, reforçado a ideia de uma atenção psiquiátrica comunitária, em detrimento da hospitalar .

A Lei nº 10.216/2001 garantiu os direitos das pessoas com transtornos mentais, com destaque para a diretriz de que o paciente deve ser preferencialmente tratado em serviços comunitários de saúde mental, sendo de responsabilidade do Estado a assistência e a promoção de ações em saúde mental, com participação da sociedade e família .

Em complemento, a Portaria nº 3.088/2011 trata dos componentes da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), composta por atenção básica de saúde, atenção psicossocial especializada, atenção de urgência e emergência, atenção residencial de caráter transitório, atenção hospitalar, serviços residenciais terapêuticos, e reabilitação psicossocial. A referida portaria também determinou que, para a operacionalização da RAPS, devem existir participação e financiamento das três esferas (federal, estadual e municipal) . A configuração da RAPS teve contorno com a Portaria nº 3.588/2017 a qual reforçou a importância de uma equipe multidisciplinar em saúde mental com ambulatórios especializados; unidades especializadas em Hospitais Gerais, Hospitais Psiquiátricos Especializados e discorre sobre a implantação de CAPS AD IV .

Com população estimada de 12.396.372 em 2021, 30% dela sofrendo de algum transtorno mental , São Paulo vivencia o processo de reforma psiquiátrica. Atualmente , possui 72 residências terapêuticas, 9.010 leitos hospitalares, 102 CAPS e assistência ambulatorial e emergencial na atenção primária em saúde mental . Obviamente, o processo de reforma se expande muito mais no âmbito das ideias e carrega interesses de movimentações filosóficas, sociais, culturais e econômicas referentes à “loucura”.

Nesse contexto, este artigo propõe uma análise do funcionamento de serviços psiquiátricos –ambulatórios, CAPS, leitos hospitalares – na cidade de São Paulo nos últimos seis anos quanto à amplitude, perfil de usuários e financiamento.

Objetivos

Analisar as estatísticas referentes aos números de atendimentos, faixas etárias dos pacientes, sexo, financiamento, principais diagnósticos das internações caracterizados na Classificação Internacional de Doença (CID) e o tempo das internações. Através de dados presentes em TabNet dos seguintes serviços: Ambulatórios, CAPS e hospitais da cidade de São Paulo, durante os anos de 2017 e 2022.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal epidemiológico, cuja coleta de dados se deu mediante buscas na plataforma TabNet DATASUS da Prefeitura de São Paulo , considerando os últimos seis anos (2017 a 2022).

As buscas efetivadas giraram em torno da rede pública de saúde mental na capital paulista, especificamente, quanto à assistência ambulatorial, internações hospitalares e CAPS, a partir das variáveis de análise: número total de atendimentos ambulatoriais, número total de usuários em CAPS, número total de internações, faixa etária correspondente, sexo (quando especificado), diagnóstico por Classificação Internacional de Doenças (CID) quando em internação hospitalar e valor de produção/gasto com os serviços.

A pesquisa teve início em 10 de Junho de 2021 e finalizou em 24 de Fevereiro de 2023.

Buscas na plataforma TabNet DATASUS da Prefeitura de São Paulo

  1. Busca: Atendimento ambulatorial, linha “ano de competência”, coluna “especialidade médica”, especificação “psiquiatria”, conteúdo “quantidade aprovada ou valor aprovado”.
  2. Busca: Atendimento ambulatorial, linha “ano de competência”, coluna “idade do usuário”, conteúdo “QT aprovada”.
  3. Busca: Atendimento ambulatorial, linha “estabelecimentos saúde-cidade CAPS”, coluna “ano de competência”, conteúdo “QT aprovada ou valor aprovado”.
  4. Busca: Atendimento ambulatorial, linha “estabelecimento saúde-cidade CAPS”, coluna “idade do usuário”, conteúdo “QT aprovada”.
  5. Busca: Internações hospitalares, linha “ano de competência”, coluna “descrição de especialidade do leito psiquiatria”, conteúdo “AIH pagas”.
  6. Busca: Internações hospitalares, linha “especialidade do leito psiquiatria”, coluna “faixa etária ou sexo”, conteúdo “AIH pagas”.
  7. Busca: Internações hospitalares, linha “ano de competência”, coluna “descrição de CID”, conteúdo “AIH pagas”.
  8. Busca: Internações hospitalares, linha “ano de competência”, coluna “especialidade do leito”, conteúdo “dias de permanência”.
  9. Busca: Internações hospitalares, linha “ano de competência”, coluna “especialidade do leito”, conteúdo “valor total”.

Resultados

A assistência pública ambulatorial em psiquiatria na cidade de São Paulo efetuou, no período pesquisado, um total de 627.692 procedimentos por ano, tendo sido a faixa etária mais assistida a de 20 a 59 anos, com um gasto médio anual de R$ 5.014.354,00. Importante ressaltar que o sexo não foi especificado, por falta de dado em plataforma, além de alguns usuários não terem informado a idade [Tabela 1].

No ano de 2017, a produção ambulatorial em números correspondeu a 650.196, sendo 50.094 pacientes abaixo de 1 ano, 46.960 entre 1 e 19 anos, 313.974 entre 20 e 59 anos, 94.382 acima de 60 anos e 94.356 pacientes sem idade especificada. O valor gasto foi de R$ 5.342.084,23.

No ano de 2018, o número de atendimentos ambulatoriais correspondeu a 650.519, sendo 50.815 pacientes abaixo de 1 ano de idade, 49.487 entre 1 e 19 anos, 353.749 de 20 a 59 anos e 91.136 pacientes acima de 60 anos. O valor gasto no período foi de R$ 5.324.401,32.

Em 2019, 696.519 procedimentos foram computados, dos quais 56.806 pacientes tinham abaixo de 1 ano de idade, 59.894, entre 1 e 19 anos, 390.702, entre 20 e 59 anos e 89.749, acima de 60 anos. O valor de produção equivaleu a R$ 5.667.298,00.

Em 2020, houve 551.053 procedimentos ambulatoriais, sendo 33.345 na faixa de menores de 1 ano, 32.045, entre 1 e 19 anos, 322.695, de 20 a 59 anos e 89.286, de 60 anos em diante. Em reais, a assistência foi compatível com o valor de R$ 4.308.843,79.

Já em 2021, a assistência ambulatorial correspondeu a 598.531 procedimentos, sendo, por perfil de idade, 3.508 menores de 1 ano, 57.619 de 1 a 19 anos, 364.448 de 20 a 59 anos e 105.535 acima de 60 anos. O valor gasto foi de R$ 4.531.651,76.

Por fim, em 2022, houve 619.339 procedimentos, sendo 12.934 pacientes menores de 1 ano, 63.552 de 1 a 19 anos, 342.013 entre 20 e 59 anos, 111.051 acima de 60 anos e 99.312 sem idade exigida. O valor gasto foi de R$ 4.911.846,15.

Ao analisar a internação hospitalar psiquiátrica no serviço público da cidade de São Paulo, considerando o período indicado, encontrou-se um total de 66.279 de Autorizações de Internação Hospitalar (AIH), sendo a faixa etária mais especificada a de 20 a 59 anos e o sexo masculino mais submetido à abordagem. O gasto médio anual foi de R$ 8.174.150,52 [Tabela 2].

No ano de 2017, houve 13.504 internações, sendo um paciente de até 1 ano, 1.056 de 1 a 19 anos, 11.190 de 20 a 59 e 1.257 acima de 60 anos, além de 8.297 do sexo masculino e 5.207 do feminino. O valor gasto com internações nesse ano foi na faixa de R$ 9,5 milhões.

Em 2018, houve 12.086 internações na capital de São Paulo, a um custo de R$ 8.843.244,76. Dessas AIH, 970 pacientes tinham de 1 a 19 anos, 10.055, de 20 a 59 anos e 1.061, acima de 60 anos. Quanto ao sexo, 7.397 pertenciam ao sexo masculino e 4.689, ao sexo feminino.

Em 2019, foram contabilizadas 12.293 internações no serviço público de psiquiatria do município de São Paulo. Destas, 7.345 eram do sexo masculino e 4.948, do sexo feminino, tendo 986 dos pacientes entre 1 e 19 anos, 10.139 de 20 a 59 anos e 1.168 acima de 60 anos. O valor geral pago foi de R$ 9.536.527,63 [Tabela 3].

Em 2020, R$ 7.618.760,36 foram gastos com 10.287 internações psiquiátricas em São Paulo, tendo 724 pacientes entre 1 e 19 anos, 8.570 entre 20 e 59 anos e 993 acima de 60 anos. Por sexo, 6.192 eram do sexo masculino e 4.095, feminino.

No ano de 2021, 5.266 leitos psiquiátricos masculinos e 3.823 leitos femininos foram ocupados em hospitais na capital paulista, totalizando 9.088 internações, sendo 655 pacientes com idade entre 1 e 19 anos, 7.726 entre 20 e 59 anos e 698 acima de 60 anos. O valor total correspondeu a R$ 6.782.973,61.

No ano de 2022, houve registro de 9.021 internações, sendo 5.012 do sexo masculino e 4.009 do sexo feminino. Por faixa etária, 640 pacientes tinham entre 1 e 19 anos, 7.575, entre 20 e 59 anos e 806, acima de 60 anos. O valor total gasto foi de R$ 6.613.276,05.

Quanto ao tempo de permanência em internação hospitalar no serviço público psiquiátrico de São Paulo ao longo dos seis anos pesquisados, por categoria (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8-14, 15-21, 22-28, 29 dias em diante), os últimos três anos (2022, 2021, 2020) foram marcados por maior número de internações psiquiátricas com duração entre 8 e 14 dias. Quanto à CID registrada na AIH, nos seis anos averiguados, F20 se destacou em prevalência, quanto F06, F10 e F19 seguiram em queda de registro [Tabela 4].

Em seis anos, os CAPS tiveram uma média anual de 1.651.516 procedimentos, no valor de R$ 1.179.181,00 e faixa etária dominante de 20 a 59 anos, não tendo havido especificação para sexo na plataforma de busca. Digno de destaque, o ano de 2019 foi marcado por maior atenção a usuários do equipamento [Tabela 5].

Em termos de financiamento de internações, CAPS e assistência ambulatorial psiquiátricas na cidade de São Paulo, o gasto monetário com internações sempre superou o da assistência ambulatorial e CAPS. De maneira clara, em 2021 e 2022, houve aumento do gasto em assistência extra-hospitalar, enquanto o valor anual total para internações de 2017 a 2022 apresentou decréscimo [Tabela 6].

Discussão

A assistência ambulatorial psiquiátrica na cidade de São Paulo durante os seis anos avaliados efetuou um total de 627.692 procedimentos por ano, a um custo de R$ 5.014.354,00. O atendimento psiquiátrico na assistência ambulatorial apresentou crescimento de 2017 a 2019 e retração de 2020 a 2022. Nesse sentido, um estudo transversal, contemplando o período de 2008 a 2015, nas regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro já demonstrava um processo de crescente cobertura da rede de atenção básica em saúde, queda nas internações hospitalares e aumento de CAPS .

É importante destacar, conforme Issa Damous e Hirlana Erlich , que, embora o ambulatório em saúde mental esteja localizado fisicamente numa atenção primária, ele é um dispositivo da atenção secundária que tem pouco destaque nos debates da RAPS e vivencia baixo financiamento. Assim, a retração de atendimentos em 2020, 2021 e 2022 pode ser consequência de um baixo investimento no serviço e/ou mesmo da pandemia de COVID-19 que levou à redução de 2,6 milhões de consultas médicas na atenção especializada no Brasil .

As internações hospitalares psiquiátricas no serviço público da cidade de São Paulo seguiram em queda de 2017 a 2022, ressaltando-se ser ela um instrumento de cuidado, que se faz necessário em alguns casos. Avaliando essa necessidade, não se pode deixar de abordar a queda no número de leitos na rede pública na capital, de 811 leitos em janeiro de 2017 para 707 em dezembro de 2021 .

O tempo de internação, em números absolutos, prevaleceu na categoria 8-14 dias; ainda assim, cerca 37% dos pacientes permaneceram por mais de 14 dias internados – no estado de São Paulo, a média de internação psiquiátrica tem sido de 27 dias no hospital público.

Quanto ao perfil geral dos pacientes por serviço, os homens foram mais internados que as mulheres e os adultos acessaram mais a rede de assistência psiquiátrica, quando comparado ao público infantojuvenil ou geriátrico. Essas informações estão de acordo com estudo estadual realizado entre 2009 e 2020, numa amostra de 746.403 internações psiquiátricas, das quais 61,5% corresponderam a pacientes do sexo masculino e cerca de 82% possuíam idade entre 20 e 59 anos .

A descrição de CID em AIH apresentou predomínio de condições psicóticas, resultado que está de acordo com dados de um estudo recente que avaliou 64.685 internações involuntárias na cidade de São Paulo entre os anos de 2003 e 2020. No referido estudo, o diagnóstico de esquizofrenia correspondeu a 24,9% da amostra e outra condição psicótica, a 26,1%, um total de 51% .

Em relação à redução de internações por abuso de drogas específicas e múltiplas drogas, ela compõe o atual cenário da rede pública do estado de São Paulo , o que traz questionamentos sobre efeitos da política de combate a drogas na capital, maior suporte dos CAPS Álcool e Outras Drogas, comunidades terapêuticas, recusa de internação voluntária e/ou casos sem necessidade de internação involuntária.

Amaral et al., num estudo multifacetado sobre saúde mental em quatro grandes cidades do Brasil, trouxeram dados epidemiológicos da assistência CAPS na cidade de São Paulo, indicando que a faixa etária de 10 a 50 anos corresponde a 71,9% do público; diferentemente, em relação ao sexo predominante na internação, as mulheres (62,3%) recorrem mais ao CAPS .

Ao longo dos anos, houve aumento do número de CAPS e da amplitude de sua assistência na cidade de São Paulo. Apesar desse avanço, o número de CAPS fica abaixo do esperado – segundo o Ministério da Saúde, o preconizado seria um CAPS para 100.000 habitantes, calculando-se, então, um número ideal de 112 CAPS para a cidade de São Paulo .

O financiamento em saúde mental na rede pública do município segue em transição e acompanha o cenário nacional, notando-se um aumento de investimento de capital em CAPS e ambulatórios e declínio dos gastos com internações hospitalares. Numa análise superficial dos dados, o valor subtraído do ambiente hospitalar não tem sido destinado integralmente para a rede extra-hospitalar. Todavia, é importante lembrar que a rede pública extra-hospitalar de saúde mental também apresenta outras despesas não ponderadas como medicações, programas e eventos .

Conclusão

A pesquisa na plataforma TabNet DATASUS da Prefeitura de São Paulo possibilitou verificar a cena de funcionamento em saúde mental na cidade de São Paulo ao longo de seis anos. A assistência ambulatorial ofertou 627.692 procedimentos ao ano, com gasto médio de R$ 5.014.354,00. Já a internação hospitalar correspondeu a um gasto médio anual de R$ 8.174.150,52, tendo havido 66.279 AIH preenchidas. O tempo de internação prevalente foi entre 7 e 14 dias, os diagnósticos mais registrados foram os psicóticos e os homens foram mais internados. Ainda, os CAPS realizaram 1.651.516 procedimentos ao ano, totalizando um gasto de R$ 1.179.181,00. A faixa etária mais assistida em todos os serviços foi de 20 a 59 anos. Esses dados ratificam o período de transição vivenciado pela saúde mental, levam a refletir sobre a distribuição de gastos públicos com a saúde mental e abrem margem para novos estudos, tendo em vista as limitações desta pesquisa, relativas a poucos estudos sobre financiamento da saúde mental no Brasil, bem como idade por vezes não descrita e sexo do usuário não registrado.

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Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024