Editorial

A violência e seus aspectos clínicos, sociais e psiquiátricos- forenses Justiça

Violence and its clinical, social and forensic psychiatric aspects

La violencia y sus aspectos clínicos, sociales y psiquiátrico-forenses

1. Alexandre Martins Valença
orcid Lattes

2. Lisieux Elaine de Borba Telles
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3. José Brasileiro Dourado Junior
e-mail orcid Lattes

4. Leonardo Fernandez Meyer
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5. Luiz Felipe Rigonatti
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6. Talvane Marins de Moraes
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7. Antônio Geraldo da Silva
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8. Antonio Egidio Nardi
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Filiação dos autores:

1, 4, 6, 8 [Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil]
2 [Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil]
3 [Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco, FCM, UPE, Recife, PE, Brasil], 5 [Instituto de Medicina Social e Criminologia de São Paulo, IMESC, São Paulo, SP, Brasil]
7 [Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, ABP, Rio de Janeiro, RJ, Brasil]

Editor-chefe responsável pelo artigo: Leonardo Baldaçara

Contribuição dos autores segundo a Taxonomia CRediT:Valença AM, Telles LEB, Dourado Junior JB, Meyer LF, Rigonatti LF, Moraes TM, Silva AG, Nardi AE [1, 12-14]

Conflito de interesses: declaram não haver

Fonte de financiamento: declaram não haver

Parecer CEP: não se aplica

Recebido em: 29/03/2024 | Aprovado em: 29/03/2024 | Publicado em: 13/04/2024

Como citar: Valença AM, Telles LEB, Dourado Junior JB, Meyer LF, Rigonatti LF, Moraes TM, Silva AG, Nardi AE. A violência e seus aspectos clínicos, sociais e psiquiátricos-forenses. Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024;14:1-8. https://doi.org/10.25118/2763-9037.2024.v14.1218

Resumo

Os autores fazem uma revisão narrativa sobre a definição de crime, de violência e seus tipos, bem como as consequências para as vítimas. O relatório anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que o país registrou 47.503 mortes violentas intencionais no ano de 2021. São também abordadas questões sobre comportamento violento perpetrado por indivíduos com e sem transtornos mentais. É importante a implementação de políticas públicas econômicas e sociais, incentivo às atividades desportivas e culturais e tratatamento médico e psicoterápico de indivíduos com transtornos relacionados ao uso de álcool e substâncias, de forma a dimnuir os índices de violência em nosso país.

Palavras-chave: Crime, violência, prevenção, doença mental, drogas.

Abstract

The authors make a narrative review on the definition of crime, violence and its types, as well as the consequences for victims. The annual report of the Brazilian Forum on Public Security shows that the country recorded 47,503 intentional violent deaths in 2021. Questions about violent behavior perpetrated by individuals with and without mental disorders are also addressed. It is important to implement economic and social public policies, encourage sports and cultural activities, and provide medical and psychotherapeutic treatment to individuals with disorders related to the use of alcohol and substances, in order to reduce the rates of violence in our country.

keywords: crime, violence, prevention, mental disorders, drugs.

Resumen

Los autores realizan una revisión narrativa sobre la definición de delito, violencia y sus tipos, así como las consecuencias para las víctimas. El informe anual del Foro Brasileño de Seguridad Pública muestra que el país registró 47.503 muertes violentas intencionales en 2021. También se abordan cuestiones sobre el comportamiento violento perpetrado por personas con y sin trastornos mentales. Es importante implementar políticas públicas económicas y sociales, fomentar las actividades deportivas y culturales, y brindar tratamiento médico y psicoterapéutico a las personas con trastornos relacionados con el consumo de alcohol y sustancias, con el fin de reducir los índices de violencia en nuestro país.

Palavras-chave: crimen, violencia, prevención, trastornos mentales, drogas..


Crime (do termo latino crimen), ou delito, é uma ofensa à lei penal. O crime, assim como toda infração penal, caracteriza-se como a prática de conduta tipificada pela lei penal como ilícita. Só se consideram crimes as condutas praticadas por humanos. Um criminoso é um indivíduo que viola uma norma penal sem justificação, e de forma reprovável, cometendo, portanto, um crime .

É notório que o crime não fere apenas a vítima e sua família, causando consequências de dificílima reparação no seio social, além de um enfraquecimento da norma, dos valores da sociedade, dos princípios da ética e da moral. Quando não se consegue reparação, o crime deixa sequelas terríveis na sociedade .

O crime, apesar de sua multicausalidade, necessita e depende do fenômeno da violência. A Organização Mundial de Saúde define a violência como “uso intencional de força ou poder físico, sendo uma intimidação ou ato efetivo contra si próprio, outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade, que resulte ou tenha alta probabilidade de danos, mortes, prejuízos psicológicos, que impeçam um desenvolvimento ou que esse seja insatisfatório”. A ofensa violenta é um problema substancial de saúde pública global .

A violência, provavelmente, sempre fez parte da experiência humana. Seu impacto pode ser mundialmente verificado de várias formas. A cada ano milhares de pessoas perdem a vida, e muitas mais sofrem ferimentos não fatais resultantes de autoagressões, de agressões interpessoais ou de violência coletiva.

O relatório anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostra que o país registrou 47.503 mortes violentas intencionais no ano de 2021, das quais 20.500 aconteceram na região Nordeste, concentrando-se principalmente no estado da Bahia. Destaca-se que as principais vítimas são adolescentes e jovens (15 a 29 anos) e negros. De acordo com o Atlas da Violência, a chance de uma pessoa negra ser assassinada no Brasil é 2,6 vezes maior do que uma pessoa não negra .

Outro recente levantamento , realizado pelo FBSP, aponta que ao menos 10.655 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, entre os anos de 2015 e 2023. Segundo o relatório, o número de feminicídios no país cresceu 1,4% entre 2022 e 2023 e atingiu a marca de 1.463 vítimas no ano passado, indicando que mais de quatro mulheres foram vitimadas a cada dia. Diferentes tipos de violência são definidos quanto a sua forma conforme a literatura e a legislação vigente .

A violência física corresponde às agressões que causam qualquer dano físico. Abrange o uso da força física, utilização de objetos, armas de fogo, armas brancas (instrumentos de corte ou perfuração como facas, punhais, canivetes etc.) ou produtos nocivos à saúde. É uma relação de poder extremo, que leva à agressão física, causando em vários graus de gravidade, lesões, ferimentos, fraturas, queimaduras, traumatismos, hemorragias, hematomas e até a morte. Pode se manifestar das seguintes formas: fins corretivos, torturas, privações físicas, restrições de movimento, privação ou transferência de abrigo, trabalho forçado e inadequado à idade, eliminação física e violência sexual.

A violência sexual é compreendida como todo e qualquer ato de cunho sexual: violações, assédios, exposição à nudez etc. Ocorre quando não há o consentimento das partes ou quando a vítima é incapaz de consentir ou de se opor ao ato sexual. É uma violação de direitos sexuais porque abusa do corpo e da sexualidade, seja pela força ou outra forma de

coerção. Esse tipo de violência trata de toda ação na qual uma pessoa, em situação de poder, obriga outra pessoa à realização de práticas sexuais contra a vontade, por meio de força física, da influência psicológica (intimidação, aliciamento, sedução) ou ainda pelo uso de armas ou drogas.

A violência psicológica ocorre quando há um abuso de poder ou uma agressão por palavras, gestos, ameaças, exposição, humilhação, opressão e coação, sem haver o auxílio ou a utilização da força física. Pode ser utilizada como artifício para silenciar a vítima frente à prática de outras formas de violência. Já a violência institucional manifesta-se de diversas formas e em locais específicos, como instituições de saúde, educação e abrigos. Pode ir desde as condições precárias de atendimento das instituições, passando pela negligência profissional e podendo chegar ao ato de violência “direto”.

A violência patrimonial é qualquer conduta ilegítima que configure perda, retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Já a violência moral é qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Minayo aponta que, para além das lesões, traumas e mortes causadas por essas violências, estas resultam em altos custos emocionais, sociais e com aparatos de segurança pública. Além disso, essa autora também aponta ainda os impactos sobre a saúde mental que tais danos provocam nas vítimas e em suas famílias, chegando também aos diversos serviços e instituições do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como aos profissionais de saúde (e saúde mental) que precisam lidar com estas situações e atuarem de forma interdisciplinar para auxiliar no cuidado e atenção a estas pessoas.

Considerando os enormes custos também no sofrimento humano, mesmo pequenas reduções na ofensa violenta podem importar. Os agressores violentos têm frequentemente histórias prolongadas de comportamento antissocial e apresentam risco de reincidência. Especialmente aquelas pessoas com transtornos mentais e uso indevido de substâncias precisam de intervenções especializadas .

Os transtornos mentais podem afetar a capacidade de uma pessoa de ter plena consciência de seu entorno, assim como para entender situações ou para tomar decisões. Também podem afetar as ações. A maioria das sociedades reconhece esses pontos e elabora leis de acordo com esses aspectos .

No que diz respeito ao comportamento violento perpetrado por indivíduos com transtornos mentais, é importante salientar que qualquer regulamentação legal da assistência psiquiátrica compulsória é necessariamente o resultado de uma série de ajustamentos difíceis feitos para satisfazer interesses tanto dentro da psiquiatria quanto do direito, como o direito e necessidade de cuidados do paciente e seus interesses conflitantes de autonomia, integridade e direito a um julgamento justo.

Outros dilemas dizem respeito a necessidade de proteção do paciente consigo mesmo e da demanda por parte do cuidador para considerar não apenas a necessidades, mas também segurança pública . É importante salientar que o comportamento violento de indivíduos com transtornos mentais tratados, é evento incomum.

O doente mental quando pratica uma ilicitude, principalmente um ato de violência, falta-lhe consciência da ilicitude ou grave prejuízo da vontade. Os doentes mentais, principalmente os esquizofrênicos, bipolares, aqueles com retardo mental grave e os dementes, quando cometem um crime, podem, em decorrência de graves prejuízos em diversas funções mentais, não entender o que está cometendo ou não ter controle sobre suas ações .

Os fatores de risco do comportamento criminoso futuro são frequentemente categorizados como estáticos ou dinâmicos, onde os primeiros são estáveis ao longo do tempo, e os segundos estão sujeitos a mudanças. Alguns dos fatores de risco estáticos compreendem sexo masculino, idade mais jovem, ofensa anterior e criminalidade ou violência familiar, enquanto alguns dos fatores de risco dinâmicos (comumente referidos como necessidades criminógenas) incluem conflitos interpessoais, personalidade e companheiros antissociais, impulsividade e, principalmente, abuso de substâncias.

Fatores de risco dinâmicos são alvos importantes para intervenções que visem reduzir o risco de reincidência criminal . Certamente,

“acidentes” educacionais e sociofamiliares igualmente podem contribuir para o comportamento violento de indivíduos com transtornos mentais, à semelhança do que acontece com aqueles sem esses transtornos.

A prática do cuidado mental humanizado faz parte da psiquiatria moderna no Brasil. O processo se inicia desde a acolhida, tratamento farmacológico e psicoterápico indicados e orientação familiar, até a reintegração social e plena do paciente, tendo como objetivo restabelecer a autonomia do mesmo e sua reinserção no meio social e familiar. Esses aspectos certamente irão contribuir para a diminuição do risco de comportamento violento nesses indivíduos.

Acreditamos que para a população em geral, são medidas para diminuição da violência a não legalização das drogas e o investimento do Estado na prevenção contra o uso de drogas lícitas ou ilícitas. Outros aspectos importantes seriam a melhoria da qualidade de vida da população através de políticas públicas econômicas e sociais, incentivo às atividades desportivas e culturais e tratamento médico e psicoterápico de indivíduos com transtornos relacionados ao uso de álcool e substâncias.

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Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024