Resenhas de Livros

Resenha do livro: Grinker RR. Ninguém é normal: como a cultura criou o estigma do transtorno mental. Porto Alegre: Arquipélago; 2024

Book review: Grinker RR. No one is normal: how culture has created the stigma of mental illness. Porto Alegre: Arquipélago; 2024

Reseña del libro: Grinker RR. Nadie es normal: cómo la cultura ha creado el estigma de la enfermedad mental. Porto Alegre: Arquipélago; 2024

1. César Augusto Trinta Weber
e-mail orcid Lattes

Filiação dos autores:

1 [Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, SES/RS e Professor, Centro de Estudos José de Barros Falcão, Porto Alegre, RS, Brasil]

Editor-chefe responsável pelo artigo: Leandro Fernandes Malloy-Diniz

Contribuição dos autores segundo a Taxonomia CRediT: Weber CAT [1,5,6,10,12,13,14]

Conflito de interesses: declara não haver

Fonte de financiamento: declara não haver

Parecer CEP: não se aplica

Recebido em: 19/04/2024 | Aprovado em: 16/05/2024 | Publicado em: 20/05/2024

Como citar: Weber CAT. Resenha do livro: Grinker RR. Ninguém é normal: como a cultura criou o estigma do transtorno mental. Porto Alegre: Arquipélago; 2024. Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024;14:1-6. https://doi.org/10.25118/2763-9037.2024.v14.1229

Sumário do livro

Introdução: a fuga de Bendlam
Parte 1. Capitalismo
1. Cada um por si
2. A invenção do transtorno mental
3. O corpo dividido
4. A mente dividida
Parte 2. Guerras
5. Os destinos da guerra
6. Encontrando Freud
7. A guerra é boa
8. Norma e Normman
9. Da guerra esquecida ao Vietnã
10. Transtornos de estresse pós-traumático
11. Expectativas da doença
Parte 3. Corpo e mente
12. Segredos reveladores
13. Uma doença como qualquer outra?
14. “Como uma varinha mágica”
15. Quando o corpo fala
16. Uma ponte entre corpo e mente no Nepal
17. A dignidade do risco
Conclusão: no espectro

Palavras-chave: antropologia cultural, cultura, estigma social, psiquiatria, saúde mental.

Book Summary

Introduction: the escape from Bendlam
Part 1. Capitalism
1. Every man for himself
2. The invention of mental disorder
3. The divided body
4. The divided mind
Part 2. Wars
5. The fates of war
6. Meeting Freud
7. War is good
8. Norm and Normman
9. From the forgotten war to Vietnam
10. Post-traumatic stress disorders
11. Expectations of the illness
Part 3. Body and mind
12. Revealing secrets
13. A disease like any other?
14. “Like a magic wand”
15. When the body speaks
16. A bridge between body and mind in Nepal
17. The dignity of risk
Conclusion: on the spectrum

Keywords: cultural anthropology, culture, social stigma, psychiatry, mental health.

Resumen del libro

Introducción: la fuga de Bendlam Parte 1. Capitalismo
1. Sálvese quien pueda
2. La invención del trastorno mental
3. El cuerpo dividido
4. La mente dividida
Parte 2. Guerras
5. Los destinos de la guerra
6. Conociendo a Freud
7. La guerra es buena
8. Norma y normando
9. De la guerra olvidada a Vietnam
10. Trastornos de estrés postraumático
11. Expectativas de la enfermedad
Parte 3. Cuerpo y mente
12. Revelando secretos
13. ¿Una enfermedad como cualquier otra?
14. “Como una varita mágica”
15. Cuando el cuerpo habla
16. Un puente entre cuerpo y mente en Nepal
17. La dignidad del riesgo
Conclusión: en el espectro

Palabras clave: antropología cultural, cultura, estigma social, psiquiatría, salud mental.


Preliminarmente, é importante esclarecer que este artigo na forma de resenha está acrescido com referências complementares, incluindo contribuições de autoria própria sobre o tema da cultura e o estigma da doença mental. Ninguém é normal: como a cultura criou o estigma do transtorno mental é o título do livro escrito por Roy Richard Grinker – Doutor em Antropologia Social pela Universidade de Harvard, docente de antropologia e psiquiatria na Universidade George Washington, editor-chefe da revista Anthropological Quarterly e colaborador do New York Times, entre outros veículos, que explora as origens e a persistência do estigma em torno dos transtornos mentais e como as normas culturais moldam nossa compreensão e tratamento da diversidade mental.

Estruturado em três partes, Capitalismo, Guerras e Corpo e mente, respectivamente, o texto transita sobre temas como o da construção social da normalidade ao estigma dos transtornos mentais; a história da percepção da loucura e dos transtornos mentais ao longo do tempo e em diferentes culturas; a análise das representações de transtornos mentais na arte; a literatura e mídia popular; o impacto da cultura na percepção e no tratamento dos transtornos mentais em diferentes sociedades; a exploração das políticas de saúde mental e sua relação com as normas culturais; os exemplos de estratégias para reduzir o estigma e promover a aceitação da diversidade mental e considerações sobre como construir sociedades mais inclusivas para pessoas com transtornos mentais.

Grinker sublinha que a noção de normalidade é construída socialmente e muitas vezes exclui aqueles que não se encaixam nos padrões dominantes e como a cultura influencia nossas percepções e atitudes em relação à saúde mental.

Em reforço e para além da nosografia biomédica e das condições de classificação das doenças entre o definido como normal ou anormal (patológico), o senso comum não dispensa em sua noção subjetiva de anormalidade dos transtornos mentais a associação ao estereótipo negativo do seu portador ou ainda de um indivíduo que possui comportamentos estranhos e diferentes dos demais integrantes do grupo social.

Como mostra Roy, o estigma não vem da nossa biologia; vem da nossa cultura. É um processo que aprendemos em nossas comunidades, e podemos mudar o que ensinamos. Mas somente se nós conhecermos a história do estigma, poderemos mirar as forças sociais que originalmente o criaram, fortalecer aquelas que o reduzem e dizer ‘chega’ às muitas barreiras que impedem tanta gente de receber atendimento.

Weber & Juruena contribuem ao destacarem que o estigma é uma construção social que desvaloriza as pessoas como resultado de uma característica que as marca, tornando-as distintas das demais. O estigma da doença mental é reconhecidamente uma barreira para a inclusão social.

Nessa perspectiva, o estigma conduz ao preconceito e a discriminação produzindo um impacto na vida das pessoas, idêntico aos efeitos deletérios da doença, uma vez que reduz oportunidades e interfere na autoestima. É comum achar que doentes mentais são rebeldes e que devem ser temidos e serem mantidos fora das comunidades.

É importante ressaltar que durante séculos, a sociedade lançou julgamentos morais as pessoas reconhecidas como doentes mentais submetendo-as a violência e ao confinamento em instituições asilares. Todavia, não se pode desconsiderar que mesmo sendo a doença mental extremamente comum hoje em dia, esta ainda carrega um sentido pejorativo. A opinião sobre a doença mental e a imagem dela construída ainda permanecem associados a pessoas “loucas”, a quebra de normas ou funcionamentos sociais de cada cultura.

Entretanto, é possível distanciar-se dessa negatividade do patológico, através do exercício de relativização que mostra ser tanto o conhecimento biomédico contemporâneo quanto o próprio sofrimento psíquico, construções culturais e históricas. Em outras palavras, significa dizer que comportamentos patológicos podem ser reconhecidos, ou não, como negativos em uma dada sociedade o que leva à reflexão sobre o estigma sobre a doença mental.

Em síntese, o mérito de Grinker ao escrever o livro Ninguém é normal: como a cultura criou o estigma do transtorno mental, está no fato de lançar luzes sobre o tema cultura, estigma e doença mental, apresentando um exame compassivo, envolvente e ao mesmo tempo provocar da evolução das atitudes em relação à doença mental ao longo da história e oferecer reflexões para a construção, individual e coletiva, de um caminho para acabar com a sombra do estigma.

Referências

1. Grinker RR. Ninguém é normal: como a cultura criou o estigma do transtorno mental. Porto Alegre: Arquipélago; 2024.

2. Weber CAT, Juruena MF. Paradigmas de atenção e estigma da doença mental na reforma psiquiátrica brasileira. Psicol Saude Doenças. 2017;18(3):640-56. http://dx.doi.org/10.15309/17psd180302

3. Corrigan PW, Penn DL. Lessons from social psychology on discrediting psychiatric stigma. Am Psychol. 1999;54(9):765-76. https://doi.org/10.1037/0003-066X.54.9.765

4. Weber CAT. Residenciais terapêuticos: o dilema da inclusão social de doentes mentais. Porto Alegre: EdiPUCRS; 2012.

5. Martin D. Abordagem antropológica em saúde mental: deslocamentos conceituais para ampliar o debate. In: Weber CAT. Residenciais terapêuticos: o dilema da inclusão social de doentes mentais. Porto Alegre: EdiPUCRS; 2012. p. 18-36.

Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024