Carta ao Editor

Paciente psiquiátrico de difícil manejo, redução de leitos e fechamento das Casas de Custódia no Brasil

Psychiatric patient difficult to manage, reduction of beds and extinguish forensic psychiatric hospitals in Brazil

Paciente psiquiátrico difícil de manejar, reducción de camas y extinción de hospitales psiquiátricos forenses en Brasil

1. Eduardo Henrique Teixeira
e-mail orcid Lattes

2. Beatriz Telles Faria
orcid Lattes

3. Giovanna Chiavegatti de Castro Fagan Marti
orcid Lattes

4. Mariana Nocera Marin Fernandes
orcid Lattes

Filiação dos autores:

1 [Professor, Psiquiatria, Departamento de Psiquiatria, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, PUC-Campinas, Campinas, SP, Brasil]
2, 3, 4 [Graduanda, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, PUC-Campinas, Campinas, SP, Brasil]

Editor-chefe responsável pelo artigo: Lisieux Elaine de Borba Telles

Contribuição dos autores segundo a Taxonomia CRediT: Teixeira EH [1,7,13,14], Faria BT, Marti GCCF, Fernandes MNM [1,13]

Conflito de interesses: declaram não haver

Fonte de financiamento: declaram não haver

Parecer CEP: não se aplica

Recebido em: 18/06/2024 | Aprovado em: 21/07/2024 | Publicado em: 05/08/2024

Como citar: Teixeira EH, Faria BT, Marti GCCF, Fernandes MNM. Paciente psiquiátrico de difícil manejo, redução de leitos e fechamento das Casas de Custódia no Brasil. Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024;14:1-5. https://doi.org/10.25118/2763-9037.2024.v14.1277

Resumo

Este trabalho tem o objetivo de ampliar a discussão em relação às dificuldades de manejar o paciente grave que necessita de uma internação em uma enfermaria psiquiátrica. Alerta para o agravamento da situação de forma progressiva, podendo se intensificar ainda mais com o fechamento das Casas de Custódia no Brasil.

Palavras-chave: transtornos mentais, distúrbios psiquiátricos, reforma psiquiátrica, casa de custódia, paciente grave, redução de leitos, internação psiquiátrica, leito psiquiátrico.

Abstract

This work aims to broaden the discussion regarding the difficulties of managing critically ill patients who require hospitalization in a psychiatric ward. Warning of the worsening of the situation in a progressive manner, which could intensify even further with the closure of the Custody Houses in Brazil.

Keywords: mental disorders, psychiatric disorders, psychiatric reform, custody house, serious patient, reduction of beds, psychiatric hospitalization, psychiatric bed.

Resumen

Este trabajo tiene como objetivo ampliar la discusión sobre las dificultades del manejo de pacientes graves que requieren hospitalización en una sala psiquiátrica. Advierten del empeoramiento de la situación de manera progresiva, que podría intensificarse aún más con el cierre de las Casas de Custodia en Brasil.

Palabras clave: trastornos mentales, desórdenes psiquiátricos, reforma psiquiátrica, casa de custodia, paciente criticamente enfermo, reducción de camas, hospitalización psiquiátrica, cama psiquiátrica .



Prezados editores e leitores do periódico Debates em Psiquiatria

O manejo de pacientes com transtornos mentais graves em crise aguda, com ou sem comportamento violento, sempre foi tema de discussão na saúde mental, principalmente com o fechamento progressivo dos leitos psiquiátricos decorrente da reforma psiquiátrica . A recente publicação da Resolução CNJ 487/2023 , que determina o fechamento das Casas de Custódia no Brasil, reacendeu essa discussão e trouxe o alerta de um iminente agravamento da situação .

Para alguns casos específicos e complexos, envolvendo comportamento violento, grave agitação ou ausência de resposta às terapêuticas disponíveis, existe o sério desafio de encontrar um leito de enfermaria adequado e que ofereça o suporte necessário . Soma-se a isso a condição de vulnerabilidade gerada pelo próprio transtorno mental, visto que geralmente o paciente não está a par de sua real situação e pode não compreender o real perigo que oferece. Nesse sentido, necessitam de um acolhimento pelo sistema de saúde público ou privado, de forma digna, eficiente e resolutiva .

Mesmo considerando que a internação psiquiátrica possa ser a última possiblidade de intervenção terapêutica, para alguns casos é a conduta clínica a ser tomada . Nesse sentido, relatamos abaixo um caso com essas características e que necessitou de uma abordagem alternativa. Apesar de não se tratar de um paciente conduzido pelo sistema público, o caso reflete o impacto das mudanças na saúde mental sem a devida contra partida.

Trata-se de J.B, 36 anos, masculino, solteiro, com diagnóstico de esquizofrenia com fracasso recorrente dos tratamentos prévios e grave prejuízo psicossocial. Foi indicada sua internação em enfermaria de psiquiatria pelo médico psiquiatra assistente devido ao importante estado de agitação decorrente de delírios persecutório e autorreferente agravados pelo uso de substâncias psicoativas. Era comum o paciente fugir de casa, dormir em via pública e se envolver em situações de risco e violência. Já tinha um histórico de internações prévias e baixa adesão aos tratamentos oferecidos pelo Caps da sua região ou pelo ambulatório do seu convênio de saúde.

Como não havia vaga em enfermaria psiquiátrica disponível, além de se tratar de uma internação involuntária, que dificultava ainda mais o manejo da situação, a família acabou ingressando com pedido de internação compulsória via judicial com obrigação de fazer contra uma operadora de saúde .

A decisão judicial foi favorável e determinou uma multa para a operadora caso não conseguisse uma vaga em 48 horas. Ainda dentro do prazo e dentro da rede credenciada dessa operadora, como única alternativa, foi decidido pela internação do paciente em uma UTI em um hospital geral até a disponibilidade da vaga psiquiátrica. Neste caso, uma conduta plausível, mas pouco viável para a equipe sem preparo para este tipo paciente, de elevado custo para a operadora e totalmente inapropriado para as necessidades do paciente.

Entendemos que a autonomia é um dos pilares da atuação ética na assistência à saúde e a internação deve ser o último recurso, contudo, a capacidade de decidir do indivíduo neste caso está seriamente comprometida e o juiz tomou sua decisão baseada no mérito. Por fim, paciente ficou apenas por quatro dias na UTI e conseguiram transferi-lo para uma enfermaria de um hospital psiquiátrico da região.

O caso acima tem a intenção de fomentar a discussão, já antiga, sobre os leitos psiquiátricos, principalmente para os casos graves . A discussão não tem o objetivo de defender a reabertura de hospitais psiquiátricos e retornar ao modelo anterior , mas sim de fazer um alerta de que a situação é delicada e vem se agravando progressivamente, podendo se agravar ainda mais com o fechamento das Casas de Custódia e não definição do destino dos pacientes internados. A discussão é antiga e a solução parece ainda mais distante.

Referências

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Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024