Filiação dos autores:
1 [Departamento de Psiquiatria e Psicoterapia, Centro de Estudos José
de Barros Falcão, Porto Alegre, RS, Brasil]
2 [Pós-doutor em Medicina Molecular; Presidente, Associação Brasileira
de Psiquiatria, ABP, Rio de Janeiro, RJ, Brasil]
Editor-chefe responsável pelo artigo: Leandro Fernandes Malloy-Diniz
Conflito de interesses: declaram não haver
Fonte de financiamento: declaram não haver
Parecer CEP: não se aplica
Recebido em: 20/08/2024 | Aprovado em: 21/08/2024 | Publicado em: 27/08/2024
Como citar: Weber CAT, da Silva AG. Internação involuntária, um direito à saúde e à vida. Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024;14:1-6. https://doi.org/10.25118/2763-9037.2024.v14.1324
A comunicação contemporânea é crucial na formação da opinião pública, especialmente em temas complexos como a saúde mental e as práticas terapêuticas psiquiátricas. Formadores de opinião devem transmitir informações precisas e equilibradas, pois discutir fora de sua área de especialização pode levar à disseminação de informações incorretas, influenciando negativamente a percepção pública. A internação involuntária, prevista na Lei nº 10.216 de 2001, permite a internação sem consentimento do paciente, a pedido de terceiros, sendo um dos três tipos de internação psiquiátrica regulados, juntamente com a internação voluntária e compulsória. No entanto, a mídia frequentemente retrata a internação involuntária como autoritária, levando a percepções errôneas. A internação involuntária é respaldada por critérios médicos rigorosos e visa proteger a saúde e o bem-estar do paciente, especialmente em casos onde a pessoa representa risco para si ou para terceiros, após a falha de recursos extra-hospitalares. Bioeticamente, esta medida deve ser analisada segundo os princípios de autonomia, beneficência, não maleficência e justiça. A comunicação responsável é vital para evitar a estigmatização dos tratamentos psiquiátricos e a desinformação. A distinção entre autoritarismo e autoridade é essencial: enquanto o autoritarismo ignora normas legais e éticas, a autoridade age dentro da lei e da ética, com transparência e participação. Mesmo valorizando a autonomia do paciente, há situações em que a condição psiquiátrica grave justifica a internação involuntária de maneira ética e legal. Políticas públicas de saúde devem ser continuamente revisadas para garantir a dignidade e a autonomia dos pacientes.
Palavras-chave: internação involuntária, transtornos mentais, serviços de saúde mental, direitos do paciente, consentimento livre e esclarecido, ética médica, segurança do paciente, medição de risco, política de saúde, opinião pública.
Contemporary communication plays a central role in shaping public opinion, particularly on complex issues such as mental health and psychiatric therapeutic practices. Opinion leaders must convey accurate and balanced information. Discussing topics outside their expertise risks spreading misinformation, negatively influencing public perception. Involuntary commitment, provided for in Law No. 10.216 of 2001, allows hospitalization without the patient's consent at the request of a third party, being one of three types of regulated psychiatric hospitalization, along with voluntary and compulsory hospitalization. However, the media often portrays involuntary commitment as authoritarian, leading to misconceptions. Involuntary commitment is supported by strict medical criteria aimed at protecting the patient's health and well-being, especially in cases where the person poses a risk to themselves or others, after the failure of outpatient resources. Bioethically, this measure should be analyzed according to the principles of autonomy, beneficence, non-maleficence, and justice. Responsible communication is vital to avoid stigmatizing psychiatric treatments and spreading misinformation. Distinguishing between authoritarianism and authority is crucial: while authoritarianism ignores legal and ethical norms, authority acts within the law and ethics, with transparency and participation. Even valuing patient autonomy, there are situations where severe psychiatric conditions justify involuntary hospitalization in an ethical and legal manner. Public health policies should be continuously reviewed to ensure patients' dignity and autonomy.
Keywords: involuntary commitment, mental disorders, mental health services, patient rights, informed consent, ethics medical, patient safety, risk assessment, health policy, public opinion.
La comunicación contemporánea es crucial en la formación de la opinión pública, especialmente en temas complejos como la salud mental y las prácticas terapéuticas psiquiátricas. Los líderes de opinión deben transmitir información precisa y equilibrada, ya que discutir fuera de su área de especialización puede llevar a la difusión de información incorrecta, influyendo negativamente en la percepción pública. La internación involuntaria, prevista en la Ley nº 10.216 de 2001, permite la hospitalización sin el consentimiento del paciente, a solicitud de terceros, siendo uno de los tres tipos de hospitalización psiquiátrica regulada, junto con la hospitalización voluntaria y la compulsoria. Sin embargo, los medios de comunicación suelen retratar la internación involuntaria como autoritaria, llevando a percepciones erróneas. La internación involuntaria está respaldada por criterios médicos estrictos y tiene como objetivo proteger la salud y el bienestar del paciente, especialmente en casos donde la persona representa un riesgo para sí misma o para otros, tras el fracaso de los recursos ambulatorios. Bioéticamente, esta medida debe analizarse según los principios de autonomía, beneficencia, no maleficencia y justicia. La comunicación responsable es vital para evitar la estigmatización de los tratamientos psiquiátricos y la desinformación. La distinción entre autoritarismo y autoridad es esencial: mientras el autoritarismo ignora normas legales y éticas, la autoridad actúa dentro de la ley y la ética, con transparencia y participación. Incluso valorando la autonomía del paciente, hay situaciones en que las condiciones psiquiátricas graves justifican la hospitalización involuntaria de manera ética y legal. Las políticas de salud pública deben revisarse continuamente para garantizar la dignidad y la autonomía de los pacientes.
Palabras clave: internación involuntaria, trastornos mentales, servicios de salud mental, derechos del paciente, consentimiento informado, ética médica, seguridad del paciente, evaluación de riesgo, política de salud, opinión pública.
A comunicação no contexto contemporâneo possui um papel central na formação da opinião pública, especialmente em temas sensíveis e complexos, como a saúde mental e as práticas terapêuticas psiquiátricas. Formadores de opinião têm a responsabilidade de transmitir informações precisas e equilibradas. Contudo, quando comunicadores abordam assuntos fora de sua área de especialização, há um risco significativo de disseminação de informações equivocadas ou incompletas, que podem influenciar negativamente a percepção e o comportamento da população.
Um exemplo particularmente preocupante é a discussão sobre a internação involuntária como alternativa terapêutica psiquiátrica. Prevista na Lei nº 10.216 de 6/4/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, a internação involuntária - aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro -, é um dos três tipos de internação psiquiátrica recepcionado pelo dispositivo infraconstitucional. Sem descuido, os outros dois tipos regulados são, a internação voluntária, aquela que se dá com o consentimento do usuário; e a internação compulsória, aquela determinada pela Justiça.
Entretanto, de tempos em tempos recrudesce nos meios de comunicação, opiniões sobre o instituto da internação involuntária no tratamento de pessoas padecentes de transtornos mentais, buscando fazer crer a população que esta possibilidade se associa a um ato de autoritarismo.
Neste caso, a falta de compreensão adequada e a propagação de ideias equivocadas podem levar a uma percepção errônea dessa alternativa terapêutica médica psiquiátrica, em vez de um recurso necessário e cuidadosamente regulado, como de fato se constitui.
Essa confusão, intencional ou por desconhecimento, pode ter consequências graves, incluindo a estigmatização dos tratamentos psiquiátricos, a desinformação sobre os direitos e proteções disponíveis, alcançando até o risco de morte.
Para esclarecer, a internação involuntária é, em essência, um ato respaldado por critérios médicos rigorosos e orientado pelo cuidado e proteção da saúde e bem-estar do paciente, além de ser uma ferramenta basilar em casos extremos onde a pessoa representa um risco para si mesma ou para terceiros, e após a constatação da insuficiência ou fracasso dos recursos da rede assistencial extra-hospitalar.
Outro ponto que merece ser iluminado é aquele que reveste os aspectos bioéticos que respaldam este tipo de intervenção psiquiátrica. Muito diferente do que alguns costumam pensar ou imaginar, esta medida terapêutica deve ser analisada e entendida no contexto dos princípios da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça, e de proteção ao direito à saúde e à vida das pessoas padecentes de transtornos mentais.
Assim, não há no que se falar em ato de autoritarismo. Senão vejamos, o ato de autoritarismo se caracteriza por medida que atenta contra a legalidade, por frequentemente ignorar ou violar o arcabouço normativo; a transparência, por tender a não se justificar de modo claro; a participação, por excluir a consulta e a participação dos envolvidos; a justiça e ética, por desconsiderar normas em favor da imposição do poder; e, por fim, a finalidade, por visar consolidar o poder e o controle dos indivíduos.
Em direção diametralmente oposta, o ato de figura de autoridade tem o seu agir realizado dentro dos limites da lei e da ética, com transparência e participação dos envolvidos. No conjunto das circunstâncias da internação involuntária, esse tipo de ato envolve uma avaliação médica especializada e criteriosa, a consulta com familiares e, quando possível, a consideração da vontade do paciente. Portanto, a decisão médica da internação é justificada pela necessidade de proteger a saúde e a segurança do paciente e da sociedade, respeitados os princípios bioéticos da beneficência e da não maleficência.
Como é possível depreender, restou evidente a importância da comunicação responsável por parte dos formadores de opinião, enfatizando a necessidade de uma abordagem informada e ética ao tratar de temas de saúde mental.
A bioética, como campo interdisciplinar, fornece uma estrutura valiosa para contribuir no exame das implicações éticas das práticas médicas e das políticas de saúde e para guiar decisões que promovam o equilíbrio entre proteção à saúde e o respeito aos direitos individuais. Nesse diapasão, a distinção entre um ato autoritário e um ato de figura de autoridade torna-se crucial para entender a legitimidade e a ética de intervenções como a internação involuntária.
Em reforço, embora a autonomia do paciente seja um princípio fundamental, há situações em que o quadro psiquiátrico justifica a internação involuntária. Sobretudo, quando o paciente é incapaz de tomar decisões informadas sobre seu tratamento devido a uma condição mental grave e o tratamento involuntário é realizado de maneira ética e legal, garantindo os direitos e a dignidade do paciente na maior medida possível.
Por derradeiro, é imperativo que as políticas públicas e práticas de saúde sejam continuamente revisadas e melhoradas, garantindo que a dignidade e a autonomia dos pacientes sejam sempre preservadas, mesmo nas situações mais desafiadoras.
1. Brasil. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10216.htm
2. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. 8th ed. Oxford: Oxford University Press; 2019.