Filiação dos autores:
1 [Professor Assistente, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco, FCM/UPE, Recife, PE, Brasil]
2,3,4,5 [Acadêmico de Medicina, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco, FCM/UPE, Recife, PE, Brasil]
Editor-chefe responsável pelo artigo: Marsal Sanches
Contribuição dos autores segundo a Taxonomia CRediT: Monteiro DC [1,2,6,10,11,13], Medrado TSS [1,2,6,13], Oliveira JC, Cardoso VCG, Régis VGVA [1,11,13]
Conflito de interesses: declaram não haver
Fonte de financiamento: declaram não haver
Parecer CEP: Complexo Hospitalar HUOC/PROCAPE - CAAE: 82055624.7.0000.5192 – Parecer N. 7.062.61
Recebido em: 09/09/2024 | Aprovado em: 04/11/2024 | Publicado em: 15/11/2024
Como citar: Monteiro DC, Oliveira JC, Medrado TSS, Cardoso VCG, Régis VGVA. Hipomania induzida por aripiprazol em uma paciente com depressão resistente ao tratamento. Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024;14:1-8. https://doi.org/10.25118/2763-9037.2024.v14.1340
Introdução: O aripiprazol é classificado como um antipsicótico atípico de terceira geração e amplamente utilizado nos transtornos psicóticos, episódios de mania/hipomania e no transtorno depressivo maior resistente ao tratamento. Exerce sua ação através do agonismo parcial nos receptores dopaminérgicos D2 e no serotoninérgico 5-HT1A, além do antagonismo nos receptores 5-HT2A, sendo a indução de mania/hipomania um evento considerado raro. Apresentação do caso: Este relato descreve o caso de uma mulher de 63 anos, com transtorno depressivo persistente, que apresentou quadro de hipomania logo após iniciar aripiprazol em baixa dose (5 mg em dias alternados), para potencialização antidepressiva. Método: Relato de caso. CAAE: 82055624.7.0000.5192 Parecer N. 7.062.61. Discussão: A prescrição do aripiprazol em doses reduzidas tem efeito predominantemente “estimulante”, podendo desencadear sintomas de hipomania/mania. Constata-se que os sintomas podem iniciar de maneira precoce e que não há indícios de relação entre a quantidade de medicamento prescrito e o momento de início, intensidade ou duração das mudanças de humor. A prevalência real desses eventos pode ser subestimada, frequentemente confundidos com acatisia, dificultando o diagnóstico. Conclusões: Destaca-se a necessidade de cautela e vigilância quanto a eventuais alterações de humor quanto prescritas baixas doses de aripiprazol para pacientes com transtorno depressivo resistente.
Palavras-chave: aripiprazol, efeitos colaterais e reações adversas relacionados a medicamentos, transtorno depressivo resistente a tratamento, mania.
Introduction: Aripiprazole is classified as a third-generation atypical antipsychotic, widely used in psychotic disorders, manic/hypomanic episodes, and treatment-resistant major depressive disorder. Its action is exerted through partial agonism at dopaminergic D2 and serotonergic 5-HT1A receptors, as well as antagonism at 5-HT2A receptors, with mania/hypomania induction being a rare event. Case Presentation: This report describes the case of a 63-year-old woman with persistent depressive disorder, who developed a hypomanic episode shortly after starting low-dose aripiprazole (5 mg on alternate days) for antidepressant augmentation. Method: Case report. CAAE: 82055624.7.0000.5192 Parecer N. 7.062.61. Discussion: The prescription of aripiprazole in reduced doses has a predominantly "stimulating" effect, potentially triggering hypomanic/manic symptoms. It is observed that symptoms can begin early, with no evidence of a relationship between the prescribed medication amount and the onset, intensity, or duration of mood changes. The actual prevalence of these events may be underestimated, often confused with akathisia, complicating diagnosis. Conclusions: The need for caution and vigilance regarding potential mood changes is highlighted when prescribing low doses of aripiprazole to patients with treatment-resistant depressive disorder.
Keywords: aripiprazole, drug-related side effects and adverse reactions, depressive disorder treatment-resistant, mania.
Introducción: El aripiprazol se clasifica como un antipsicótico atípico de tercera generación y se utiliza ampliamente en los trastornos psicóticos, episodios de manía/hipomanía y en el trastorno depresivo mayor resistente al tratamiento. Ejerce su acción a través del agonismo parcial en los receptores dopaminérgicos D2 y serotoninérgicos 5-HT1A, además del antagonismo en los receptores 5-HT2A, siendo la inducción de manía/hipomanía un evento considerado raro. Presentación del caso: Este informe describe el caso de una mujer de 63 años, con trastorno depresivo persistente, que presentó un cuadro de hipomanía poco después de iniciar aripiprazol en baja dosis (5 mg en días alternos), para potenciación antidepresiva. Método: Relato del caso. CAAE: 82055624.7.0000.5192 Parecer N. 7.062.61. Discusión: La prescripción de aripiprazol en dosis reducidas tiene un efecto predominantemente "estimulante", pudiendo desencadenar síntomas de hipomanía/manía. Se observa que los síntomas pueden comenzar de manera temprana y que no hay indicios de relación entre la cantidad de medicamento prescrito y el momento de inicio, intensidad o duración de los cambios de humor. La prevalencia real de estos eventos puede estar subestimada, frecuentemente confundidos con acatisia, dificultando el diagnóstico. Conclusiones: Se destaca la necesidad de precaución y vigilancia respecto a posibles alteraciones del humor al prescribir bajas dosis de aripiprazol a pacientes con trastorno depresivo resistente.
Palabras-chave: aripiprazol, efectos colaterales y reacciones adversas relacionados con medicamentos, trastorno depresivo resistente al tratamiento, manía .
O aripiprazol é um antipsicótico atípico (AA), que atua através do agonismo parcial dos receptores dopaminérgicos D2, com alta afinidade por receptores serotoninérgicos, com agonismo parcial 5-HT1A e antagonismo 5-HT2A . Na prática clínica, tem como principais indicações os transtornos psicóticos, episódios de mania/hipomania e o transtorno depressivo maior (TDM) resistente ao tratamento . Em uma recente metanálise sobre a dose-efeito do aripiprazol como estratégia de potencialização antidepressiva, a dose mais eficaz foi estabelecida entre 2-5 mg/dia, sem benefícios adicionais além de 10 mg/dia . A indução de sintomas maníacos/hipomaníacos com AA tem sido considerado um evento adverso incomum, porém foram registrados 143 casos entre 1966 e 2010, mais frequentemente com risperidona (n= 44), olanzapina (n:= 36), ziprasidona (n= 27) e quetiapina (n= 15) .
O objetivo do presente relato é descrever um caso de hipomania induzida pela associação de baixas doses de aripiprazol ao esquema antidepressivo de uma paciente com diagnóstico de depressão unipolar resistente ao tratamento. Foi obtida autorização da participante por meio da assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Complexo Hospitalar HUOC/PROCAPE (CAAE: 82055624.7.0000.5192 - Parecer N. 7.062.61).
Mulher, 63 anos, casada, 2 filhos, evangélica, parda, professora de geografia aposentada, vinha em acompanhamento psiquiátrico ambulatorial há 10 anos, com diagnóstico de transtorno depressivo persistente, com sintomas atuais moderados e características ansiosas. Nos últimos 4 anos, havia feito o uso mirtazapina (até 45 mg/dia), fluoxetina (até 60 mg/dia), duloxetina (até 120 mg/dia) e bupropiona (até 300 mg/dia), porém sem melhora significativa dos sintomas. Relacionava o processo de adoecimento mental às situações estressantes que vivenciara no trabalho e ao seu ambiente familiar conturbado, principalmente pela dificuldade em lidar com o marido alcoolista. Apresentava anedonia, sentimento de tristeza, angústia, desinteresse nas interações sociais, crises de ansiedade recorrentes e questionamentos sobre suas próprias motivações para viver. Ademais, descrevia episódios frequentes de cefaleia e dificuldade para iniciar o sono, frequentemente experimentando despertares abruptos acompanhados de sensação de sufocamento e palpitação cardíaca. Exames laboratoriais recentes, dentro dos parâmetros de normalidade (glicose em jejum: 90 mg/dL; TSH: 2,67 mUI/L; VDRL: não reagente; hemoglobina: 15,7 g/dL; hematócrito: 49,7%) e ressonância nuclear magnética do encéfalo, sem alterações patológicas. Vinha em uso de duloxetina 120 mg/dia, bupropiona 300 mg/dia e pregabalina 100 mg/dia, com resposta parcial dos sintomas.
Como estratégia de potencialização antidepressiva, foi prescrito aripiprazol 5 mg (½ comprimido de 10 mg) em dias alternados. Após 10 dias de uso do AA, evoluiu com aparente “melhora do humor”, aumento da energia e da autoestima, redução da necessidade de sono, falando em alto tom de voz, taquilálica e mais irritável. Relatou ainda, episódios de gastos excessivos em compras online de forma inabitual e sentindo-se “muito motivada para fazer coisas novas” (iniciou aulas de violão). O episódio hipomaníaco perdurou por 2 semanas, com remissão logo após a suspensão do aripiprazol, sendo introduzida lamotrigina 25 mg/dia, com planejamento de incremento gradual da dose até 200 mg/dia.
No presente artigo, foi descrito um caso incomum de hipomania precipitada pela introdução de aripiprazol em dose baixa (2,5 mg/dia), em paciente de 63 anos, com diagnóstico de TDM resistente ao tratamento.
Na literatura revisada sintetizada na Tabela 1, foram encontrados outros 12 casos de mania/hipomania relacionados ao aripiprazol, porém, com doses entre 5-60 mg/dia e em indivíduos mais jovens, com idades variando de 19-57 anos .
Em apenas dois dos casos anteriormente descritos, o diagnóstico primário também foi de TDM, nos quais o antipsicótico foi prescrito como estratégia de potencialização após falha de resposta aos antidepressivos . O suposto mecanismo antidepressivo atribuído ao aripiprazol está relacionado à modulação da atividade do receptor D2, quando há excesso de dopamina na sinapse, e restaura parcialmente a função dopaminérgica em condições de escassez .
Ademais, a combinação dos efeitos como agonista parcial D2, agonismo 5-HT1A e antagonismo 5-HT2A, apesar de depender também de fatores complexos de equilíbrio entre as vias dopaminérgicas e serotoninérgicas, pode resultar em aumento da ação dopaminérgica pré-frontal, o que reforçaria a hipótese de que doses mais baixas trariam maior risco de hipomania/mania .
No presente relato, o episódio eufórico iniciou-se no 10º dia de tratamento com o aripiprazol e cessou completamente após duas semanas da sua suspensão, de forma semelhante ao observado por outros autores . Entretanto, os sintomas podem emergir de forma precoce, já no terceiro dia de uso da medicação ou mais tardiamente, após aproximadamente 4 semanas .
A escassez de publicações abordando o potencial risco de precipitação de hipomania/mania com o aripiprazol impossibilita a determinação da sua real prevalência, sendo possivelmente subestimada. Na prática clínica, estes eventos podem não ser adequadamente reconhecidos ou até mesmo confundidos com outros efeitos adversos mais comuns, como acatisia, resultando em agravamento iatrogênico do estado mental do paciente .
A hipomania/mania induzida pelo aripiprazol, apesar de presumivelmente incomum, pode surgir já nos primeiros dias de tratamento, mesmo em doses baixas. Assim, torna-se imprescindível que o clínico esteja atento em relação às alterações de comportamento sugestivas de elevação do humor, mesmo quando não há história prévia de episódios eufóricos. Estudos prospectivos são essenciais para clarificar seus potenciais fatores de risco e implicações para a evolução do estado mental do paciente.
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