Artigo de Revisão

Efeitos do uso crônico do Zolpidem para tratamento da insônia em idosos e sua relação com a doença de Alzheimer

Effects of chronic use of Zolpidem to treat insomnia in the elderly and its relationship with Alzheimer's disease

Efectos del uso crónico de Zolpidem para tratar el insomnio en ancianos y su relación con la enfermedad de Alzheimer

1. Marilene Ferraz Cavalieri
e-mail orcid Lattes

2. Bárbara Inocente Terçarioli
orcid Lattes

3. Janaína Carla Parizotto da Rosa
orcid Lattes

4. Renato Daniel Ramalho Cardoso
orcid Lattes

5. Paula Souza Lage
orcid Lattes

Filiação dos autores:

1,2,3 [Especialistas, Psiquiatria no Hospital Vida, Londrina, PR, Brasil]
4 [Doutor, Programa de Pós-Graduação em Patologia Experimental, Universidade Estadual de Londrina, UEL, PR, Brasil]
5 [Doutora, Programa de Pós- Graduação em Ciências da Saúde: Infectologia e Medicina Tropical, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil]

Editor Chefe responsável pelo artigo: Sérgio Tamai

Conflito de interesses: declaram não haver

Fonte de financiamento: declaram não haver

Parecer CEP: não se aplica

Recebido em: 12/10/2024 | Aprovado em: 28/10/2024 | Publicado em: 15/11/2024

Como citar: Cavalieri MF, Terçarioli BI, Rosa JCP, Cardoso RDR, Lage PS. Efeitos do uso crônico do Zolpidem para tratamento da insônia em idosos e sua relação com a doença de Alzheimer. Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024;14:1-18. https://doi.org/10.25118/2763-9037.2024.v14.1356

Resumo

Introdução: A demência é uma síndrome de caráter crônico e progressivo, marcada por um declínio significativo nas funções cognitivas, afetando principalmente habilidades como memória, raciocínio, orientação, linguagem, cálculo e julgamento. Existem diversas formas de demência, cada uma determinada pela doença subjacente e com manifestações clínicas variadas, sendo a doença de Alzheimer a mais prevalente. Nestes pacientes a insônia é uma das perturbações do sono comuns, presentes entre 3,9 a 22,1% dos pacientes. Atualmente, o zolpidem é o fármaco de primeira escolha no tratamento da insônia, proporcionando benefícios tanto para pacientes com dificuldade em adormecer quanto para aqueles que enfrentam problemas na manutenção do sono. Entretando, quando usado de maneira crônica este apresenta vários os efeitos colaterais como: redução da libido, insônia de rebote, déficit da função cognitiva, desenvolvimento de tolerância e dependência, risco de quedas, sonolência excessiva, sedação matinal e suicídio A insônia em pacientes com doença de Alzheimer (DA) permanece um desafio na prática clínica. Objetivo: Dessa maneira, o objetivo desse artigo foi descrever os efeitos do uso do zolpidem indicado para o tratamento da insônia e sua relação com a DA. Metodologia: Dessa forma, foi realizada uma revisão da literatura, com a seleção de artigos publicados em periódicos das bases de dados Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e National Library of Medicine/NLM (PubMed). Resultados: Os resultados encontrados demonstraram que pacientes em uso crônico de zolpidem apresentaram maior risco de desenvolvimento da DA. Conclusão: Dessa maneira, é necessário um maior monitoramento na prescrição e no acompanhamento de idosos em uso de zolpidem.

Palavras-chave: doença de Alzheimer, insônia, zolpidem, efeitos adversos, distúrbios do início e da manutenção do sono, efeitos colaterais e reações adversas relacionados a medicamentos.

Abstract

Introduction: Dementia is a chronic and progressive syndrome, marked by a significant decline in cognitive functions, primarily affecting abilities such as memory, reasoning, orientation, language, calculation, and judgment. There are various forms of dementia, each determined by the underlying disease with different clinical manifestations, with Alzheimer’s disease being the most prevalent. Among these patients, insomnia is one of the common sleep disturbances, present in 3.9 to 22.1% of the patients. Currently, zolpidem is the drug of first choice in the treatment of insomnia, providing benefits both for patients with difficulty falling asleep and for those with problems maintaining sleep. However, when used chronically, it presents several side effects such as: reduced libido, rebound insomnia, cognitive function deficits, development of tolerance and dependence, risk of falls, excessive sleepiness, morning sedation, and suicide. Insomnia in patients with Alzheimer’s disease (AD) remains a challenge in clinical practice. Objective: Thus, the objective of this article was to describe the effects of the use of zolpidem indicated for the treatment of insomnia and its relation to AD. Methodology: In this way, a literature review was carried out, with the selection of articles published in journals from the databases Scientific Electronic Library Online (SCIELO) and National Library of Medicine/NLM (PubMed). Results: The results found demonstrated that patients under chronic use of zolpidem presented a higher risk of developing AD. Conclusion: Therefore, greater monitoring is necessary in the prescription and follow-up of elderly patients using zolpidem.

Keywords: Alzheimer’s disease, insomnia, zolpidem, adverse effects, sleep initiation and maintenance disorders, drug-related side effects and adverse reactions.

Resumen

Introducción: La demencia es un síndrome crónico y progresivo, marcado por un descenso significativo en las funciones cognitivas, afectando principalmente habilidades como la memoria, el razonamiento, la orientación, el lenguaje, el cálculo y el juicio. Existen diversas formas de demencia, cada una determinada por la enfermedad subyacente y con manifestaciones clínicas variadas, siendo la enfermedad de Alzheimer la más prevalente. En estos pacientes, el insomnio es uno de los trastornos del sueño comunes, presente en el 3,9 al 22,1% de los pacientes. Actualmente, el zolpidem es el fármaco de primera elección en el tratamiento del insomnio, proporcionando beneficios tanto para pacientes con dificultad para conciliar el sueño como para aquellos que enfrentan problemas en la manutención del sueño. Sin embargo, cuando se usa de manera crónica, presenta varios efectos secundarios como: reducción de la libido, insomnio de rebote, déficit de la función cognitiva, desarrollo de tolerancia y dependencia, riesgo de caídas, somnolencia excesiva, sedación matinal y suicidio. El insomnio en pacientes con enfermedad de Alzheimer (EA) sigue siendo un desafío en la práctica clínica. Objetivo: De esta manera, el objetivo de este artículo fue describir los efectos del uso de zolpidem indicado para el tratamiento del insomnio y su relación con la EA. Metodología: De esta manera, se realizó una revisión de la literatura, con la selección de artículos publicados en revistas de las bases de datos Scientific Electronic Library Online (SCIELO) y National Library of Medicine/NLM (PubMed). Resultados: Los resultados encontrados demostraron que los pacientes bajo uso crónico de zolpidem presentaron un mayor riesgo de desarrollar EA. Conclusión: De esta manera, es necesario un mayor seguimiento en la prescripción y el acompañamiento de pacientes ancianos que usen zolpidem.

Palabras clave: enfermedad de Alzheimer, insomnio, zolpidem, efectos adversos, trastornos del inicio y del mantenimiento del sueño, efectos colaterales y reacciones adversas relacionados con medicamentos .

Introdução

O envelhecimento é um processo contínuo no ser humano, marcado por mudanças nos sistemas e órgãos do corpo. Essas transformações ocorrem em velocidades diferentes para cada pessoa, influenciadas por fatores como genética, ambiente social, avanços tecnológicos, e condições econômicas. O envelhecimento culmina em uma série de processos patológicos, resultantes do processo evolutivo, dinâmico e irreversível das mudanças funcionais e morfológicas. Isso provoca uma redução na capacidade do indivíduo de se adaptar ao ambiente em que está inserido. Cerca de 80% dos idosos sofrem de doenças crônicas, incluindo as demências, com a doença de Alzheimer sendo a mais comum, representando aproximadamente 60 a 70% dos casos .

A demência constitui um grave problema de saúde pública no Brasil, acometendo cerca de 2 milhões de pessoas. A projeção é alarmante: até 2050, esse número pode triplicar, acompanhando o envelhecimento da população. Estima-se que mais de 70% dos casos brasileiros permaneçam subdiagnosticados, o que sublinha a urgência de políticas públicas eficazes para o diagnóstico precoce e tratamento dessa condição . A doença de Alzheimer (DA) é uma forma comum de demência, caracterizada por um progressivo declínio cognitivo e funcional. Os sintomas incluem perda de memória, dificuldades de linguagem, alterações de comportamento e, em estágios avançados, perda de autonomia nas atividades diárias. Essa neurodegeneração progressiva leva a uma deterioração significativa da qualidade de vida e, eventualmente, à dependência total .

Um estudo da histologia cerebral de pacientes com essa patologia observou a deposição de material amiloide no tecido nervoso central em três locais distintos: no citoplasma dos neurônios, formando as alterações neurofibrilares; no tecido entre os corpos celulares dos neurônios, formando as placas senis; e nos vasos da leptomeninge ou do parênquima cerebral, caracterizando a angiopatia amiloide. Por consequência disso, desenvolvem-se novelos neurofibrilares, ocorrendo perda neuronal e sináptica, com processo inflamatório e a ativação da glia . Além disso, o idoso com doença de Alzheimer (DA) apresenta níveis reduzidos do neurotransmissor acetilcolina e taxas elevadas de glutamato. Assim, os medicamentos mais utilizados para o tratamento são aqueles que elevam os níveis de acetilcolina, em combinação com fármacos que protegem as células nervosas do excesso de glutamato.

Os principais anticolinesterásicos utilizados incluem Donepezil, Rivastigmina e Galantamina. Em algumas situações, também são recomendados antidepressivos, ansiolíticos, neurolépticos, antiepiléticos e hipnoindutores . Um dos primeiros sintomas identificados no desenvolvimento de distúrbios neurodegenerativos são os distúrbios do sono, que podem englobar dificuldades no início do sono, na manutenção do sono, cochilos frequentes e excessivos e sono não reparador . Esses são problemas comuns que podem levar a uma piora da memória, pois a consolidação das memórias é feita durante o sono .

Estudos indicaram que até 50% dos indivíduos com DA apresentam algum tipo de distúrbio do sono, com insônia diagnosticada em até 45% dos casos . Estudo de Silva , descreveram que a DA pode estar associada à disfunção dos sistemas de neurotransmissores responsáveis pelo sono, incluindo o sistema colingérico, que inclui a memória e o ciclo sono-vigília. Há ainda o comprometimento neurodegenerativo das vias colingéricas que pode afetar o sistema ativador reticular ascendente, contribuindo assim para a sonolência diurna e distúrbios do sono. Estes distúrbios e a insônia crônica podem contribuir para o aumento da produção e agregação de beta-amilóide, enquanto o sono excessivo tem sido associado à progressão da DA . Patologias como a síndrome da apneia obstrutiva do sono e a insônia surgem como fatores principais na análise da qualidade do sono em idosos . Assim, a avaliação do sono em pacientes com suposto risco de demência pode ser relevante e pode ser um alvo potencial para intervenção precoce .

Em relação à insônia, ela é definida como a dificuldade de iniciar ou manter o sono, ou a insatisfação com a qualidade do sono, podendo interferir no desempenho das atividades sociais e cognitivas . Inicialmente, essa condição surge devido a um estado de excitação do indivíduo ao longo do dia, levando a um estado de hipervigilância que se estende até a hora habitual de dormir. A explicação para isso pode ser tanto fisiológica quanto cognitiva . Fisiologicamente, há alterações bioquímicas significativas no metabolismo, que se torna acelerado, assim como o ritmo cardíaco, além dos níveis elevados dos hormônios adrenocorticotrófico e cortisol.

Observa-se também um desequilíbrio entre os neurotransmissores excitatórios e inibitórios, com aumento dos primeiros. Do ponto de vista cognitivo, a insônia surge devido ao excesso de fatores estressantes que preocupam o indivíduo .

Silva, Soliani e Sanches observaram que os distúrbios do sono podem levar a estresse e a problemas somáticos e psicossociais, incluindo ansiedade, depressão, dificuldades de memória, doenças crônicas como doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes e câncer, além de comprometer a qualidade de vida e aumentar a mortalidade. A insônia piora à medida que a demência progride e é mais frequente nos estágios moderados e graves da neurodegeneração do Sistema Nervoso Central . O tratamento da insônia pode ser realizado de forma não farmacológica ou a partir do uso de fármacos indutores do sono.

Quanto ao tratamento farmacológico, o zolpidem é um medicamento aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento de curto prazo da insônia, classificado como um hipnótico não benzodiazepínico. Este é um modulador alostérico positivo da neurotransmissão inibitória rápida do ácido gama-aminobutírico (GABA) nos receptores GABA-A e tem a particularidade de ligar-se especificamente à subunidade a-1 destes . É amplamente prescrito no mundo todo por seu rápido início de ação, curta duração dos efeitos e por oferecer um bom perfil tanto na indução quanto na manutenção do sono .

Entretanto, estudos indicam que o uso crônico deste medicamento pode levar à dependência e, consequentemente, à abstinência se interrompido abruptamente. Além disso, pode causar diversos efeitos colaterais graves como sedação diurna, amnésia anterógrada, alucinações, distorções da realidade, sonambulismo e convulsões. Outros efeitos comuns incluem cefaleia, sonolência, tontura, fadiga, diarreia e vômitos. Desde que o zolpidem foi aprovado para uso médico, um número crescente de relatos de casos tem descrito complicações de abuso ou dependência .

Estudo clínico avaliando o uso crônico de zolpidem e DA, associou um maior risco de desenvolvendo DA em pacientes que usavam o fármaco a mais de um ano e em concentrações maiores, em comparação com aqueles que usavam em doses mais baixas . Nesse contexto, considerando que a insônia é uma questão frequente na doença de Alzheimer (DA) e que impacta negativamente o prognóstico dos pacientes, o tratamento farmacológico mais indicado é o zolpidem, que, no entanto, pode causar diversos efeitos adversos quando utilizado de forma crônica. Objetivou-se com esta revisão integrativa descrever os efeitos do uso do zolpidem em pacientes com DA disponíveis na literatura científica.

Metodologia

Para a elaboração deste artigo, foi conduzida uma revisão da literatura que envolveu a seleção de artigos publicados nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e National Library of Medicine/NLM (PubMed), além de dados do Ministério da Saúde do Brasil e da Organização Mundial da Saúde.

O processo foi dividido em duas etapas. Na primeira, foi realizada uma busca por artigos nacionais e internacionais nos idiomas português e inglês, utilizando os descritores: doença de Alzheimer, insônia, zolpidem, Alzheimer’s disease, zolpidem insomnia e zolpidem and sleep, resultando em um total de 431 artigos.

Em seguida, foram estabelecidos critérios para a leitura completa dos artigos. Os critérios de inclusão definidos foram: artigos publicados entre 2014 e 2024, em inglês ou português, de acesso livre, e que incluíssem participantes maiores de 18 anos. Foram excluídos os trabalhos publicados há mais de 10 anos e aqueles realizados com crianças ou adolescentes. Ao final, 44 artigos foram selecionados, interpretados e uma síntese das informações foi elaborada.

Resultados e discussão

Para consolidar e apresentar de forma clara as descobertas desses artigos, foi elaborada a Tabela 1, contendo as seguintes informações: autor e ano de publicação, objetivos de cada estudo, resultados e conclusões derivadas da pesquisa. Nos pacientes com a doença de Alzheimer os distúrbios do sono e do ciclo circadiano são mais frequentes e aparecem precocemente no curso da patologia.

Em relação aos distúrbios do sono, estes são acompanhados por alterações na arquitetura do sono, apresentando um aumento da latência, dificuldade na manutenção, diminuição do sono de ondas lentas, além disso, ocorre um aumento da sonolência diurna. Essas alterações já ocorrem com o avançar da idade e se agravam com a doença. Algumas vezes, os distúrbios do sono na DA, como insônia crônica, são tão proeminentes que são classificados como comorbidade primária. A mudança que parece mais específica para a patologia em questão é uma diminuição quantitativa no estágio de movimento rápido dos olhos durante o sono REM .

Além das dimensões fisiológicas e patológicas, é crucial considerar fatores comportamentais e ambientais, pois eles influenciam significativamente a qualidade do sono em idosos. Nesse grupo etário elementos-chave a serem explorados para compreensão das alterações do sono são os hábitos de descanso, o uso irregular de fármacos e a presença de transtornos psiquiátricos .

A “Classificação Internacional de Distúrbios do Sono ( International Classification of Sleep Disorders/ICSD ) define a insônia com base em três critérios. O primeiro critério refere-se à queixa de dificuldade para iniciar ou manter o sono, despertar precoce ou sono cronicamente não restaurador e de má qualidade. O segundo critério é preenchido quando esses sintomas ocorrem apesar de condições adequadas para o sono. Finalmente, o terceiro critério envolve a presença de diversas queixas relacionadas às dificuldades do sono, como: fadiga, déficit de atenção, concentração e memória, disfunção sexual, profissional e acadêmica, irritabilidade, sonolência excessiva diurna, falta de motivação e energia, propensão a erros e acidentes no trabalho ou na condução de veículos, cefaleias, tensão, sintomas gastrointestinais e preocupação com o sono.

O diagnóstico se dá quando uma dessas características estão presentes . Para o tratamento de distúrbios do sono e de ansiedade os medicamentos sedativos-hipnóticos mais utilizados são os benzodiazepínicos (alprazolam, clonazepam, lorazepam, etc.) e hipnóticos não-BZD (zolpidem, zaleplon, eszopiclona) . Atualmente é o medicamento de primeira linha para o tratamento da insônia do início do sono é o zolpidem. Este medicamento pertence ao grupo das imidazopiridinas e possui uma estrutura distinta da dos benzodiazepínicos e barbitúricos.

O fármaco em questão possui ação mínima relaxante muscular, ansiolítica e anticonvulsivante. Isso se deve à sua alta afinidade pelos receptores de ácido γ-aminobutírico, que é aproximadamente dez vezes maior do que a dos psicofármacos da classe dos benzodiazepínicos. Além disso, a meia-vida do zolpidem é relativamente baixa em comparação com outras drogas psicotrópicas, o que contribui para a redução dos efeitos adversos .

Além disso, este medicamento possui propriedades hipnóticas, agindo de maneira diferente nos centros de controle do sono, o que reduz o número de despertares em pacientes com insônia transitória e melhora a qualidade do sono em indivíduos com insônia crônica . Quando avaliado famacologicamente, o zolpidem liga-se ao receptor GABA-A exercendo uma maior seletividade para a subunidade a1, aumentando a inibição mediada pelo GABA através da modulação alostérica do receptor GABA-A, em doses terapêuticas . Assim, uma ingestão contínua pode induzir mudanças adaptativas nos receptores GABA-A que podem ser responsáveis pelo desenvolvimento de tolerância e dependência .

Com relação as doses supraterapêuticas, estas podem levar a perda de seletividade pelo fármaco para as subunidades 1 e intensificar sua atividade nas subunidades 2, 3 e 5 dos receptores GABA, o que poderia causar comprometimento da memória, apresentando também efeito ansiolítico, euforia, exaltação, hiperatividade e estimulação, portanto, o zolpidem pode ser usado para alcançar esses efeitos paradoxais e não para sedação.

Em adição, o efeito estimulante e eufórico também poderia ser explicado por uma atividade dopaminérgica, o que poderia explicar a ocorrência de sintomas psicóticos, agitação psicomotora e alucinações em alguns casos clínicos .

Kim et al. observou em seu trabalho três grupos de indivíduos que usam indiscriminadamente o zolpidem, dentro da primeira categoria estão aqueles indivíduos que procuram o efeito hipnótico do medicamento, podendo distinguir duas subcategorias: grupo A de idosos e grupo B de mulheres. A segunda categoria seria o grupo C representado por pessoas mais jovens e com dependência grave, que consomem doses supraterapêuticas ou por via intravenosa para fins recreativos. Sendo a insônia comum na doença de Alzheimer, devido as alterações no mecanismo de sono-vigília. Existem preocupações sobre a utilização dos hipnóticos não-benzodiazepínicos, especialmente em grupos vulneráveis como os idosos, uma vez que foi demonstrado que a sua utilização está associada a resultados adversos para a saúde, tais como quedas, fraturas ósseas e declínio na função cognitiva .

Conforme a última revisão de McCleery e Sharpley sobre farmacoterapia para distúrbios do sono em pacientes com demência, existe uma evidente carência de evidências para orientar o tratamento medicamentoso de problemas de sono na demência, principalmente devido à falta de ensaios clínicos randomizados .

Estudos sugerem ainda que com o uso contínuo do psicofármaco pode perder sua seletividade ao receptor GABA-A e exercer os mesmos efeitos farmacológicos dos benzodiazepínicos clássicos. Além disso, a baixa capacidade de depuração do zolpidem na população idosa e feminina pode predispor os pacientes à dependência . Este medicamento também possui interações medicamentosas conhecidas. Sua coadministração com outros psicotrópicos, como benzodiazepínicos, amitriptilina, amobarbital, alfentanil, entre outros, pode aumentar as atividades depressoras do Sistema Nervoso Central.

No que diz respeito às interações alimentares, a administração de zolpidem em conjunto com álcool é a mais destacada, uma vez que há relatos de reações adversas associadas ao consumo de bebidas alcoólicas durante o uso do medicamento. Em alguns casos, os pacientes que ingeriram álcool desenvolveram comportamentos pseudossuicidas .

Conclusão

Com base nos dados expostos é possível concluir que pacientes com doença de Alzheimer apresentam distúrbios do sono significativos, sendo a insônia um dos principais e o fármaco de primeira escolha para o tratamento é o zolpidem. Entretanto o uso deste a longo prazo apresenta efeitos adversos significativos, principalmente nesta faixa etária, na qual os pacientes em questão apresentam outras comorbidadades. Os estudos sugeriram que houve um maior risco de desenvolvimento do DA, além de efeitos adversos maiores quando associado a faixa etária do uso a longo prazo do zolpidem. Porém, existem poucos estudos avaliando a relação do fármaco e a demência, especialmente com a DA. Desta forma, são necessários mais estudos que busquem compreender a interação entre o fármaco em questão e a DA e maior monitoramento na prescrição e acompanhamento de pacientes em uso de zolpidem.

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Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024