Filiação dos autores:
1-3 [Médicos, Hospital Vida, Londrina, PR, Brasil]
Editor-chefe responsável pelo artigo: Sérgio Tamai
Contribuição dos autores segundo a Taxonomia CRediT: Ochiro FT [2,3,5,7,14], Dias AF, Vieira GP [1,6,13]
Conflito de interesses: declaram não haver
Fonte de financiamento: declaram não haver
Parecer CEP: Associação Evangélica Beneficiente de Londrina, AEBEL. Parecer n. 7.122.704
Recebido em: 15/10/2024 | Aprovado em: 14/11/2024 | Publicado em: 24/11/2024
Como citar: : Ochiro FT, Dias AF, Vieira GP. Manejo de um paciente com esquizofrenia associado a doença de Crohn: relato de caso. Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024;14:1-9. https://doi.org/10.25118/2763-9037.2024.v14.1360
Introdução: A esquizofrenia é uma doença psiquiátrica caracterizada por distúrbios cognitivos, afetivos e psicóticos, sendo um dos transtornos mentais mais graves com impacto social e psicológico. Método: Relato de caso. Associação Evangélica Beneficiente de Londrina, AEBEL. Parecer CEP n. 7.122.704. Apresentação do caso: Este artigo descreve o caso de um paciente diagnosticado com transtorno esquizofrênico paranoide e portador de comorbidades médicas graves. O paciente apresentava sintomas psicóticos com alucinações auditivas, delírios persecutórios e comportamento desorganizado ao procurar o hospital psiquiátrico da cidade. Apesar do acompanhamento regular no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e do uso de medicações antipsicóticas convencionais, não houve melhora significativa dos sintomas. Durante a internação, foi diagnosticada uma absorção gastrointestinal comprometida devido à progressão da doença de Crohn, o que influenciou na escolha da terapia medicamentosa. O tratamento multidisciplinar foi crucial para a abordagem integral do paciente. Resultado: A introdução de medicação injetável de depósito, como o Zuclopentixol (Clopixol Depot®), demonstrou uma melhora substancial nos sintomas psicóticos, indicando a importância das condições médicas concomitantes no manejo da esquizofrenia. Conclusão: O manejo clínico de pacientes com esquizofrenia e comorbidades médicas graves requer uma abordagem integrada e individualizada. A consideração das condições médicas concomitantes, juntamente com a avaliação dos sintomas psiquiátricos, é essencial para o sucesso terapêutico.
Palavras-chave: esquizofrenia, comorbidade, doença de Crohn, interconsulta, terapia medicamentosa.
Introduction: Schizophrenia is a psychiatric illness characterized by cognitive, affective and psychotic disorders, being one of the most serious mental disorders with social and psychological impact. Method: Case report. Associação Evangélica Beneficiente de Londrina, AEBEL. Approval Research Ethics Committee (REC) n. 7.122.704. Case presentation: This article describes the case of a patient diagnosed with paranoid schizophrenic disorder and suffering from serious medical comorbidities. The patient presented psychotic symptoms with auditory hallucinations, persecutory delusions and disorganized behavior when he sought the city's psychiatric hospital. Despite regular monitoring at the Psychosocial Care Center (CAPS) and the use of conventional antipsychotic medications, there was no significant improvement in symptoms. During hospitalization, compromised gastrointestinal absorption was diagnosed due to the progression of Crohn's disease, which influenced the choice of drug therapy. Multidisciplinary treatment was crucial for a comprehensive approach to the patient. Result: The introduction of injectable depot medication, such as Zuclopenthixol (Clopixol Depot®), demonstrated a substantial improvement in psychotic symptoms, indicating the importance of concomitant medical conditions in the management of schizophrenia. Conclusion: The clinical management of patients with schizophrenia and severe medical comorbidities requires an integrated and individualized approach. Consideration of concomitant medical conditions, along with assessment of psychiatric symptoms, is essential for therapeutic success.
Keywords: schizophrenia, comorbidity, Crohn disease, referral and consultation, drug therapy.
Introducción: La esquizofrenia es una enfermedad psiquiátrica caracterizada por trastornos cognitivos, afectivos y psicóticos, siendo uno de los trastornos mentales más graves con impacto social y psicológico. Método: Reporte de caso. Associação Evangélica Beneficiente de Londrina, AEBEL. Aprobación del Comité de Ética de Investigación (CEI) n. 7.122.704. Presentación del caso: Este artículo describe el caso de un paciente diagnosticado con trastorno esquizofrénico paranoide y que padece comorbilidades médicas graves. El paciente presentaba síntomas psicóticos con alucinaciones auditivas, delirios persecutorios y conducta desorganizada cuando acudió al hospital psiquiátrico de la ciudad. A pesar del seguimiento periódico en el Centro de Atención Psicosocial (CAPS) y del uso de medicamentos antipsicóticos convencionales, no hubo mejoría significativa de los síntomas. Durante la hospitalización se diagnosticó compromiso de la absorción gastrointestinal debido a la progresión de la enfermedad de Crohn, lo que influyó en la elección del tratamiento farmacológico. El tratamiento multidisciplinario fue crucial para un abordaje integral del paciente. Resultado: La introducción de medicamentos inyectables de depósito, como Zuclopentixol (Clopixol Depot®), demostró una mejora sustancial en los síntomas psicóticos, lo que indica la importancia de las condiciones médicas concomitantes en el tratamiento de la esquizofrenia. Conclusión: El manejo clínico de pacientes con esquizofrenia y comorbilidades médicas graves requiere un enfoque integrado e individualizado. La consideración de las condiciones médicas concomitantes, junto con la evaluación de los síntomas psiquiátricos, es esencial para el éxito terapéutico.
Palabras-chave: esquizofrenia, comorbilidad, enfermedad de Crohn, derivación y consulta, terapia medicamentosa.
A esquizofrenia é uma doença psiquiátrica caracterizada por distúrbios cognitivos, afetivos e psicóticos, sendo um dos transtornos mentais mais graves com impacto social e psicológico. Estudos atuais revelam que estes doentes morrem, em média, 15 a 20 anos mais cedo do que a população geral, com maior prevalência de doença cardiovascular, neoplásica e diabetes mellitus.
O maior índice de pacientes acometidos pela esquizofrenia é do sexo masculino em adultos e crianças/adolescentes. Dos diagnósticos de esquizofrenia e transtornos esquizoafetivos, a maioria dos diagnósticos é de esquizofrenia paranoide.
O tratamento, no geral, envolve uma abordagem multidisciplinar que considera os aspectos psicopatológicos e as comorbidades médicas que possam influenciar na resposta terapêutica do paciente.
Este artigo descreve o manejo clínico de um paciente com esquizofrenia paranoide com comorbidades médicas, destacando a importância da avaliação integrada e da escolha adequada de tratamentos farmacológicos.
Trata-se de um relato de caso de um paciente diagnosticado com transtorno esquizofrênico paranoide atendido em hospital de atenção psiquiátrica no município de Londrina. Foram utilizados dados clínicos, incluindo história médica, exame físico, avaliação psiquiátrica e resultados de exames complementares. O paciente recebeu tratamento multidisciplinar, envolvendo psicoterapia, terapia ocupacional, assistência nutricional e atividade física, além de terapia medicamentosa. Este projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa (Nº do parecer: 7.122.704) da Associação Evangélica Beneficiente de Londrina, AEBEL.
Paciente de 45 anos com diagnóstico de transtorno esquizofrênico paranoide, como comorbidades apresenta diabetes mellitus tipo II, doença de Crohn e hipotireoidismo. Em uso diário em casa de Olanzapina 30 mg, Clonazepam 20 mg, Ácido Valproico 1000 mg, Amitriptilina 100mg, Levotiroxina 25 mcg, Metformina 1700 mg, Azatioprina 150 mg, Mesalazina 3 g, Adalimumabe 200mg/ml 1 ampola de 14 em 14 dias.
Durante a internação involuntária o paciente se mostrou vigil, colaborativo, com vestes e higiene adequadas, humor hipotímico, afeto modulado, ressonante e congruente. Apresentou-se ausente de crítica e localizado parcialmente. Fala calma, tom, volume e ritmo adequados. Linguagem simples, porém, com discurso por vezes hostil e desconfiado. Pensamentos desorganizados com coerência oscilante. Apresentou alterações de sensopercepção com alucinações auditivas, além de delírios religiosos e persecutórios. Negou pensamentos de agressividade ou ideação de morte.
Foi internado com a hipótese diagnóstica de CID10: F20.0, após avaliação a partir da Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica Ancorada (Brief Psychiatric Rating Scale, ou BPRS-A), Escore BPRS-A=80 pontos no dia 31/05/2023.p
Após anamnese inicial do médico plantonista, o paciente foi internado com as seguintes medicações: Olanzapina 30 mg, Ácido Valproico 1 g, Clorpromazina 100mg, Diazepam 20mg, Levotiroxina 25 mcg, Mesalazina 3 g, Azatioprina 150 mg, Metformina 1700 mg, Adalimumabe 200mg/ml 1 ampola de 14/14 dias.
Junto ao tratamento medicamentoso, o paciente teve acesso a atendimento de consultas psicológicas com avaliações diárias; avaliação nutricional devido a suas comorbidades, terapia ocupacional, assistência social e musicoterapia, além de atividade física frequente. Os dados coletados e organizados pela estrutura do hospital permitiram acompanhar a evolução e potencializaram a qualidade de tomada de decisões que impactaram na melhora do paciente.
Durante os dias seguintes, já em unidade de internação, o paciente permaneceu com comportamento desorganizado e libidinoso, retirando suas vestes no corredor regularmente e agindo de forma inadequada perante outros pacientes e funcionários do hospital. O discurso permaneceu incoerente e desorganizado, com delírios persecutórios e alucinações auditivas presentes. Escore BPRS-A = 79 em 14/06/2023.
Para a manutenção deste quadro, foi solicitada avaliação externa para a condição do estado de absorção gastrointestinal. O familiar do paciente buscou o paciente e o levou a consulta com um médico gastroenterologista em consultório, que avaliou o mesmo, solicitou exames de sangue e sendo manejado a medicação Adalimumabe 40 mg subcutâneo devido a piora no quadro inflamatório.
A doença de Crohn é uma enfermidade crônica das doenças inflamatórias intestinais (DII), acomete todas as camadas do trato gastrointestinal, desde a porção ileal até o cólon, diminuindo a capacidade absortiva de alimentos e medicamentos via oral.
Após resultados de exames laboratoriais de Velocidade de Hemossedimentação (VHS) e proteína C reativa alterados, associado aos sintomas clínicos ficou confirmado o grau avançado de comprometimento de absorção intestinal, sendo iniciado então a alteração para medicação injetável de depósito com Zuclopentixol (Clopixol Depot®) 200mg/ml de 15 em 15 dias via intramuscular.
A escolha por este medicamento baseou-se nos fatores: a via de administração, buscando potencializar a absorção do medicamento sem ser prejudicado pelo processo inflamatório gastrointestinal; a disponibilidade na atenção básica de saúde; a sensibilidade ao Haloperidol relatada anteriormente e pela facilidade do acompanhamento do medicamento pela família e equipe de saúde.
Após o início da medicação via injetável foi observada discreta melhora e, após 15 dias, houve um incremento no quadro geral do paciente, com escore BPRS-A =39 pontos no dia 30/06/2023, mesmo após diminuição dos medicamentos antipsicóticos via oral. Em 30/06/2023, o paciente estava em uso de Zuclopentixol (Clopixol Depot®) 200 mg/ml 1 ampola de 15/15 dias injetável intramuscular, Adalimumabe 200mg/ml 1 ampola de 14/14 dias intramuscular, Olanzapina 15 mg, Ácido Valproico 750mg, Clorpromazina 25 mg, Diazepam 20mg, Metformina 1700 mg, Azatioprina 150 mg, Amantadina 300 mg, Mesalazina 3 g, Levotiroxina 25 mcg.
Dez dias depois, o paciente recebeu alta hospitalar com melhora importante dos sintomas referidos na internação, apresentando escore BPRS-A=35. Foi encaminhado ao CAPs com seguinte prescrição: Zuclopentixol (Clopixol Depot®) 200 mg/ml 1 ampola de 15 em 15 dias injetável intramuscular, Adalimumabe 200 mg/ml 1 ampola de 14 em 14 dias intramuscular, Olanzapina 15 mg, Ácido Valproico 750 mg, Clorpromazina 25 mg, Diazepam 20 mg, Metformina 1700 mg, Azatioprina 150 mg, Amantadina 300 mg, Mesalazina 3 g, Levotiroxina 25 mcg.
A introdução de medicação injetável de depósito, como o Zuclopentixol (Clopixol Depot®), demonstrou uma melhora substancial nos sintomas psicóticos, indicando a importância das condições médicas concomitantes no manejo da esquizofrenia.
É necessário um olhar cuidadoso à frente das comorbidades que podem interferir de alguma forma no tratamento de pacientes psiquiátricos, especialmente a doença de Crohn. O escore na Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica Ancorada (BPRS-A) diminuiu de 80 para 39 pontos após duas semanas de tratamento. O paciente recebeu alta hospitalar com um escore BPRS-A de 35, indicando uma redução substancial na gravidade dos sintomas.
O presente caso destacou a importância da avaliação cuidadosa das comorbidades médicas em pacientes com esquizofrenia, tendo em vista que algumas condições podem vir a influenciar a absorção e eficácia de medicamentos psicotrópicos.
A via de administração mais comum em pacientes psiquiátricos é a via oral em primeiro e intramuscular em segundo, para uso domiciliar. No relato exposto, foi necessário a escolha de uma via de administração medicamentosa que contornasse às limitações gastrointestinais causadas pela doença de Crohn do paciente, sendo esta resolução fundamental para o sucesso terapêutico do caso. Além do mais, o uso de antipsicóticos de ação prolongada com aplicações intramusculares quinzenais podem ser realizados nas visitas do paciente ao CAPS.
Desde os anos 90, os antipsicóticos como Clorpromazina, Haloperidol, Asenapina, Clozapina, entre outros, são a principal escolha para tratar a esquizofrenia e outros transtornos psicóticos. No entanto, no caso descrito, o Zuclopentixol intramuscular apresentou ser a escolha mais efetiva e com melhor ação tanto no controle dos sintomas psicóticos quanto na não interferência da redução da absorção gastrointestinal do paciente, decorrente da doença de Crohn, conforme descrito por Baêta et al..
Reforçamos a importância da abordagem multidisciplinar, como o tratamento mais indicado aos quadros de esquizofrenia paranoide e por ter como prerrogativa integrar especialidades médicas e terapêuticas distintas, de forma a abranger o paciente como um ser biopsicossocial, além de se atentar a possíveis doenças físicas que normalmente são vistas em segundo plano em um tratamento psiquiátrico.
Verificou-se que quando a equipe de saúde assentiu sobre importância deste olhar ampliado e a oferecer ao paciente do caso clínico exposto, este foi capaz de ser assistido de forma total, isto é, em seus aspectos psicopatológicos e comorbidades médicas. Sua resposta terapêutica refletiu a eficácia da promoção, recuperação e aderência ao tratamento, reduzindo o número de possíveis crises. O direcionamento medicamentoso proposto, portanto, apontou ser o mais seguro e personalizado, conforme preconizado por NICE.
O manejo clínico de pacientes com esquizofrenia e comorbidades médicas graves requer uma abordagem integrada e individualizada. A consideração das condições médicas concomitantes, juntamente com a avaliação dos sintomas psiquiátricos, é essencial para o sucesso terapêutico. O presente caso ressalta a importância do tratamento multidisciplinar e da escolha adequada de terapias farmacológicas na melhora do paciente e na promoção de sua qualidade de vida.
1. Orsi P, Lazzarin MAL, Sammour J, Silva MHP, Zonetti IO, Ribeiro AL, Eleutério RF, Faria BA, Alvarenga AC, Brito NEP, Silva LA, Aros MS. Esquizofrenia: manifestações clínicas e as principais comorbidades, uma revisão sistemática. Braz J Health Rev. 2024;7(2):e69158. https://doi.org/10.34119/bjhrv7n2-431
2. Queirós T, Coelho F, Linhares L, Telles-Correia D. Esquizofrenia: o que o médico não psiquiatra precisa de saber. Acta Med Port. 2019;32(1):70-7. https://doi.org/10.20344/amp.10768 PMID:30753806
3. Fulone I, Silva MT, Lopes LC. Gender differences in the use of atypical antipsychotics in early-onset schizophrenia: a nationwide population-based study in Brazil. BMC Psychiatry. 2021;21:320. https://doi.org/10.1186/s12888-021-03327-7 PMID:34187418 - PMCID:PMC8243572
4. Fulone I, Silva MT, Lopes LC. Use of atypical antipsychotics in the treatment of schizophrenia in the Brazilian National Health System: a cohort study, 2008-2017. Epidemiol Serv Saude. 2023;32(1):e2022556. https://doi.org/10.1590/s2237-96222023000300015 PMID:36946832 - PMCID:PMC10072313
5. American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.
6. Baêta OM, Alves AK, Moreno JM, Silva JRF, Souza MLF, Sobral RB, Pissinatti RS, Paixão VC, Vieira VBT, Tafner V. Doença de Crohn - uma revisão abrangente sobre a epidemiologia, fisiopatologia e patogênese, fatores de risco, diagnóstico clínico, diagnóstico imagiológico, manifestações extra intestinais, tratamento, nutrição e dieta. Braz J Health Rev. 2023;6(4):17438-54. https://doi.org/10.34119/bjhrv6n4-265
7. National Institute for Health and Care Excellence. Psychosis and schizophrenia in adults: prevention and management. London: National Institute for Health and Care Excellence; 2014. https://www.nice.org.uk/guidance/cg178