Filiação dos autores:
1, 3 [Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, São Paulo, SP, Brasil]
2 [Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil]
Editor Chefe responsável pelo artigo: Marsal Sanches
Contribuição dos autores segundo a Taxonomia CRediT: Marinho ACS [1,2,3,5,6,13,14]; Santos TFF, Mello CB [10,11,14]s
Conflito de interesses: declaram não haver.
Fonte de financiamento: declaram não haver
Parecer CEP: não se aplica.
Recebido em: 04/04/2025 | Aprovado em: 02/08/2025 | Publicado em: 25/09/2025
Como citar: Marinho ACS, Santos TFF, Mello CB. Viés de atribuição na cognição social: teorias, aplicações na psiquiatria e pesquisas no Brasil. Debates Psiquiatr. 2025;15:1-15. https://doi.org/10.25118/2763-9037.2025.v15.1453
Os vieses de atribuição (VA) se constituem em um dos principais distúrbios funcionais relacionados com a cognição social, visto que nomeia as alterações na maneira com a qual o indivíduo realiza atribuições causais aos comportamentos sociais e desfechos situacionais. Apesar de sua relevância para a compreensão das manifestações psicopatológicas em nível cognitivo, a literatura sobre os VA ainda revela uma enorme heterogeneidade na terminologia e conceito relacionados. Este estudo apresenta uma análise integrativa sobre alguns dos principais estudos seminais que se propuseram a conceituar e classificar os VA, bem como as descrições dos VA em contextos psicopatológicos. Por último, este estudo apresenta os resultados de uma busca por estudos conduzidos em contexto brasileiro. Foi realizada uma revisão narrativa baseada em estudos empíricos, teóricos, revisões e literatura cinzenta sobre o tema considerando os critérios do Scale for the Assessment of Narrative Review Articles (SANRA), proveniente das bases Google Acadêmico, SciELO e PubMed. Além do alinhamento terminológico e conceitual, destacando a importância de se diferenciar os conceitos de vieses e estilos de atribuição, os achados permitiram uma breve discussão sobre os VA em transtornos psiquiátricos como o transtorno de personalidade borderline e o espectro da esquizofrenia. No Brasil, as pesquisas são escassas e concentradas no contexto educacional. Estudos futuros podem contribuir para o desenvolvimento de intervenções mais eficazes e culturalmente sensíveis.
Palavras-chave: cognição social, viés, Brasil, transtornos mentais.
Attributional biases (AB) are among the main functional disturbances associated with social cognition, as they refer to alterations in the way individuals make causal attributions for social behaviors and situational outcomes. Despite their relevance for understanding psychopathological manifestations at the cognitive level, the literature on ABs still shows significant heterogeneity in related terminology and conceptualizations. This study presents an integrative analysis of some of the seminal works that aimed to define and classify ABs, as well as descriptions of ABs in psychopathological contexts. Finally, it presents the results of a search for studies conducted within the Brazilian context. A narrative review was carried out based on empirical and theoretical studies, reviews, and gray literature on the topic, following the criteria of the Scale for the Assessment of Narrative Review Articles (SANRA) and using the databases Google Scholar, SciELO, and PubMed. In addition to addressing terminological and conceptual alignment, highlighting the importance of distinguishing between attributional biases and attributional styles, the findings allowed for a brief discussion on ABs in psychiatric disorders such as borderline personality disorder and the schizophrenia spectrum. In Brazil, research on the topic remains scarce and mostly concentrated in educational contexts. Future studies may contribute to the development of more effective and culturally sensitive interventions.
Keywords: social cognition, bias, Brazil, mental disorders.
Los sesgos atribucionales (SA) constituyen una de las principales alteraciones funcionales relacionadas con la cognición social, ya que se refieren a los cambios en la manera en que los individuos realizan atribuciones causales sobre los comportamientos sociales y los desenlaces situacionales. A pesar de su relevancia para la comprensión de las manifestaciones psicopatológicas a nivel cognitivo, la literatura sobre los SA aún presenta una gran heterogeneidad en la terminología y los conceptos relacionados. Este estudio presenta un análisis integrador de algunos de los trabajos seminales que se propusieron definir y clasificar los SA, así como descripciones de los SA en contextos psicopatológicos. Por último, se presentan los resultados de una búsqueda de estudios realizados en el contexto brasileño. Se llevó a cabo una revisión narrativa basada en estudios empíricos, teóricos, revisiones y literatura gris sobre el tema, considerando los criterios de la Scale for the Assessment of Narrative Review Articles (SANRA) y utilizando las bases de datos Google Académico , SciELO y PubMed. Además del alineamiento terminológico y conceptual, destacando la importancia de diferenciar entre los conceptos de sesgos y estilos atribucionales, los hallazgos permitieron una breve discusión sobre los SA en trastornos psiquiátricos como el trastorno límite de la personalidad y el espectro de la esquizofrenia. En Brasil, las investigaciones sobre el tema son escasas y se concentran en el contexto educativo. Futuros estudios podrían contribuir al desarrollo de intervenciones más eficaces y culturalmente sensibles.
Palabras clave: cognición social, sesgo, Brasil, trastornos mentales.
É comum que o ser humano normalmente seja tido como um ser racional, que toma suas decisões a partir de julgamentos lógicos, por estar pautado em um raciocínio analítico. No entanto, as hipóteses teóricas clássicas e as suas comprovações empíricas recentes sugerem que a racionalidade do pensamento humano está vulnerável a imprecisões ou vieses . Se em uma situação hipotética de uma epidemia que ameaçaria 600 pessoas, tivéssemos que escolher entre duas estratégias: uma que salvaria 200 pessoas com certeza, ou outra que teria um terço de chance de salvar todas as 600 pessoas, é provável que escolhêssemos a primeira. E foi isso que a teoria da perspectiva de Kahneman mostrou, uma vez que a primeira opção oferece um resultado certo, evitando a incerteza e a possibilidade de perda total da segunda estratégia.
Dessa forma, considera-se uma tendência natural do ser humano de evitar riscos e preferir certezas, e esse pensamento intuitivo surge como um dos elementos centrais que marcam a cognição superior ou de natureza associativa. Assim, a cognição humana possui diversos mecanismos específicos que permitem a tomada de decisões e a condução de julgamentos de forma rápida e eficiente, mas que nem sempre funcionam, como é o caso das chamadas heurísticas e erros ou vieses cognitivos. Um desses vieses, é o chamado viés de atribuição .
A atribuição de estados mentais tem sido considerada um dos principais construtos relacionados com a cognição social e pode ser definida como a capacidade do indivíduo em elaborar hipóteses explicativas sobre a causa dos eventos, incluindo os resultados de interações sociais e os comportamentos de terceiros . A atribuição de estados mentais é a função central da mentalização e possui um papel crítico na compreensão dos significados das experiências sociais, possuindo um papel fundamental na modulação e ajustamento do próprio comportamento social, nos diferentes contextos interpessoais .
A dinâmica funcional da cognição social, semelhante ao que ocorre com os demais módulos cognitivos, envolve o processamento do estímulo social, que conta com as etapas de percepção, representação mental, associação e interpretação e a escolha pela resposta. O processamento eficiente da informação social depende não só do desenvolvimento típico das funções cognitivas sociais, mas também da ausência de elementos interferentes negativos . Essa visão passou a ficar mais clara desde o modelo teórico seminal proposto por Crick e Dodge , que descreveu como a presença de déficits ou de fatores dinâmicos funcionais podem afetar negativamente a maneira como as crianças enfrentam situações sociais que exigem uma modulação comportamental contínua. Além disso, nesse modelo, foi detalhado que as primeiras etapas de codificação e interpretação das pistas sociais dependem da orientação do foco atencional a certas pistas situacionais ou internas. A partir da captura do estímulo social, a interpretação envolve diferentes processos, incluindo a representação mental personalizada das pistas, a análise causal dos eventos e a avaliação do porquê um objetivo foi ou não alcançado. A interpretação de situações sociais atribuindo intenções aos outros influencia as respostas uma vez que, se as crianças percebem uma ação como intencionalmente hostil, podem reagir de forma defensiva ou vingativa; se a veem como acidental, podem agir de forma conciliadora .
Embora venha sendo notório o aumento no número de estudos científicos focados em examinar as alterações na dinâmica cognitiva social, a análise crítica da literatura atual revela problemas importantes no que diz respeito à sobreposição e desalinhamento entre os seus diferentes conceitos relacionados. Essa confusão contribui enormemente para dificultar a replicação de dados de pesquisas e a comunicação efetiva entre clínicos e pesquisadores. Diante disso, é essencial distinguir os conceitos de “estilo” e “viés” de atribuição.
Segundo Buck et al. os vieses que afetam o processamento da informação social não representam respostas certas ou erradas necessariamente, mas tendem a traduzir o estilo de resposta que o indivíduo tende a apresentar no seu funcionamento social. Essa visão sugere que a presença de vieses já traduz o distúrbio de um fenômeno mental nomeado como “estilos de atribuição”, dado que ele pode se manifestar de diferentes formas. Em outras palavras, o estilo de atribuição pode ser conceituado como a tendência do indivíduo ao realizar atribuições sobre a causalidade das próprias ações ou de terceiros, bem como aos desfechos de eventos ambientais. Já o viés de atribuição representa o distúrbio que acomete o estilo de atribuição, sendo considerado o resultado de fatores que modificam a interpretação da causalidade.
O estudo dos estilos de atribuição tem ganhado espaço importante na psiquiatria e psicologia diante de evidências que sugerem que indivíduos que apresentam estilos de atribuição mal adaptativos tendem a manifestar sinais de baixa-autoestima e funcionamento psicossocial pobre, enquanto estilos de atribuição positivos tendem a cumprir um papel protetivo .
Ao mesmo tempo, as descobertas relacionadas com o papel assumido pelos vieses de atribuição no surgimento e manutenção de diversos transtornos psiquiátricos têm evidenciado a necessidade de um aprofundamento na compreensão das manifestações psicopatológicas também em nível cognitivo .
Diante dessa necessidade, esta revisão narrativa foi conduzida com o objetivo de apresentar uma revisão crítica e integrativa sobre as principais teorias, aplicações e pesquisas sobre os estilos e vieses de atribuição, com ênfase nas contribuições brasileiras.
Para guiar essa revisão, foram estruturadas três perguntas centrais: 1. Quais as principais teorias e tipos de vieses/estilos de atribuição, e como eles influenciam a dinâmica da cognição social?; 2. Como o viés de atribuição se manifesta em aplicações práticas? e 3. Quais são as lacunas nas pesquisas sobre o viés de atribuição no Brasil, e que direções podem ser propostas para estudos futuros? Ao responder a essas perguntas, este artigo não apenas sintetiza o conhecimento atual, mas também oferece insights para futuras investigações e intervenções baseadas em evidências.
Com o intuito de garantir a qualidade desta revisão, foi aplicada a Scale for the Assessment of Narrative Review Articles (SANRA) ou Escala para a Avaliação de Artigos de Revisão Narrativa, que se propõe a assegurar a qualidade de revisões nāo sistemáticas . A busca pelos estudos a serem citados nesta revisão se deu nas Plataformas Google Acadêmico, Scielo e PubMed. A busca foi realizada sem restrições de data ou idioma, visando incluir o maior número possível de estudos relevantes.
Os termos de busca incluíram combinações entre as seguintes palavras-chave: “social cognition”, "attributional bias" e "attribution style". Além disso, foi incluído o termo específico “Brazil” para identificar pesquisas realizadas no Brasil.
Os critérios de inclusão para a seleção dos estudos foram: 1. artigos que abordassem os estilos ou vieses de atribuição como tema central ou relevante; 2. estudos empíricos, teóricos, revisões e literatura cinzenta que contribuíssem para o entendimento dos estilos ou vieses de atribuição na cognição social e 3. pesquisas realizadas no Brasil ou que discutissem o contexto brasileiro.
Após a busca inicial, os resumos dos artigos foram lidos para verificar a adequação ao tema da revisão. Em seguida, os artigos selecionados foram lidos na íntegra, e os dados considerados relevantes foram extraídos e organizados de forma narrativa, com foco nas principais teorias, aplicações e pesquisas sobre o tema, com um foco no Brasil.
Os estilos de atribuição A teoria da atribuição de estados mentais tem como objetivo explicar os processos cognitivos envolvidos na maneira como os indivíduos entendem os fenômenos sociais a partir de inferências sobre os fatores causais . Por exemplo, estímulos ativos, intensos e negativos são mais usados que estímulos passivos e neutros ao se fazer uma inferência social . Ainda, durante conflitos, comportamentos negativos tendem a ser atribuídos ao parceiro, enquanto comportamentos positivos tendem a ser atribuídos a si mesmos .
Além disso, sāo consideradas três dimensões que classificam as atribuições: a estabilidade; a controlabilidade; e a globalidade. A estabilidade se refere a se o indivíduo interpreta as causas da situação de maneira estável e permanente ou temporária e variável (traduz o grau de flexibilidade à mudança); a controlabilidade diz respeito a se as causas podem ou não ser influenciadas pelo indivíduo; e a globalidade traduz se o fator causal é específico à determinada situação ou se assume um papel global .
O papel dos estilos de atribuição também é importante quando se fala de estigmas relacionados a um contexto de saúde, considerando que esse estilo pode mudar. É possível que quando uma condição ou doença é vista como tendo uma causa incontrolável, são induzidas emoções como a compaixão, o que favorece à expressão de comportamentos pró-sociais . Um exemplo disso é mostrado em alguns estudos que abordam atitudes e preconceitos relacionados à obesidade, que propõe que atribuições de causalidade interna à obesidade, como falta de força de vontade, levam a uma maior estigmatização .
Nesse mesmo contexto, campanhas públicas que reforçam comportamentos individuais como causa da obesidade, contribuem com esse estigma e demonstram o papel dos fatores culturais na construção dos estilos de atribuição individual . Reforçando essa associaçāo, estudos que avaliaram as atitudes dos participantes em relação a obesidade demonstraram haver variaçāo entre culturas, pois enquanto culturas mais individualistas dão maior ênfase a responsabilidades individuais, nas mais coletivistas isso difere .
Os vieses de atribuição acontecem quando o indivíduo faz inferências sobre os comportamentos com base em um uso excessivo ou insuficiente das informações disponíveis de forma sistemática .
Segundo Turner e Hewstone , existem três tipos de vieses de atribuição bem documentados: 1. o viés de correspondência; 2. o viés ator-observador e 3. o autosserviço. O viés de correspondência diz respeito ao comportamento ser frequentemente visto como um reflexo do estado interno do agente social, mesmo quando ele ocorre por motivos situacionais (acaso). Por outro lado, o viés nomeado como agente-observador se refere a quando o indivíduo entende que o comportamento do outro é ocasionado por causas internas, e quando o próprio comportamento tem causas externas. Por fim, o viés de autosserviço acontece a partir da tendência de atribuição causal interna ao próprio sucesso e causas externas ao próprio fracasso .
De maneira conceitual complementar, os vieses de atribuição podem variar de acordo com o grau de personalização, o que indica a proporção de atribuições a elementos externos ou situacionais (nāo pessoais) diante de desfechos negativos, o que traduz a tendência do indivíduo em fazer atribuições sobre a intencionalidade da outra pessoa envolvida na situação social . Por exemplo, quando a intenção é interpretada como hostil, leva ao surgimento viés hostil de atribuição e comumente se associa com respostas agressivas, principalmente diante de contextos sociais ambíguos ou com pistas sociais limitadas .
Verhoef, Alsem, Verhulp e De Castro conduziram um estudo de metanálise que mostrou a relação entre o viés de atribuição hostil e a agressividade em crianças, destacando essa alteração da dinâmica cognitiva social como o elemento central associado à manifestação de comportamentos agressivos. Nessa mesma linha, Edwards e Bond mostrou que baixos escores no domínio de clareza de autoconceito previam atribuições hostis e a acessibilidade de roteiros sociais agressivos.
As atribuições e vieses podem ocorrer também em caráter intergrupal, trazendo para este debate o “locus de causalidade”. O locus de causalidade se refere à origem do agente provocador do desfecho, podendo esse ser interno ou externo. A atribuição interna versa sobre fatores como personalidade, humor, habilidades, atitude e esforço de outra pessoa que é vista como agente social causador do desfecho. Já a origem causal externa se refere a uma causa externa à pessoa e considera o acaso, força maior à ação do outro, tais como os fenômenos naturais, pressão social e sorte) .
Ainda nesse contexto, Pettigrew propôs o conceito sobre o "erro último de atribuição", um viés sistemático nas atribuições intergrupais influenciado pelo preconceito. Ele expande o "erro fundamental de atribuição" (a tendência de superestimar fatores pessoais e subestimar fatores situacionais) para interações entre grupos . Quando um membro do mesmo grupo social realiza um ato negativo, há maior tendência de atribuí-lo a causas internas. Já um ato positivo é explicado de formas que minimizam seu impacto, como sendo um caso excepcional, sorte, esforço incomum ou contexto manipulável . Pettigrew destacou que esse erro é mais forte em indivíduos preconceituosos, ocorre mais quando a identidade grupal está salientada e se intensifica em situações de conflito entre grupos .
Além de influenciar a compreensão dos estigmas sociais , os estilos de atribuição levantam uma discussão sobre as características individuais, tais como as relações de apego e influências culturais.
Segundo o estudo de Anupama et al. , indivíduos diagnosticados com o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) apresentam vieses de atribuição marcados por uma tendência a atribuir eventos negativos a pessoas, ao invés de fatores situacionais ambientais, o que poderia explicar a maior quantidade de julgamentos negativos a respeito de sua família por parte dos pacientes com TPB, relatado no estudo de Gunderson e Lyoo . Além disso, outro estudo sugere que pacientes com TPB podem fazer atribuições intencionais mais complexas de ações dos outros, no entanto, expressam representações mais hostis sobre a ação de terceiros .
No estudo de Schulze foi observado que diante de desfechos negativos, pacientes com o TPB mostraram um estilo de atribuição desadaptativo, marcado por atribuições internas, estáveis e globais, além de terem a tendência de generalizar a causa de forma mais forte ao longo do tempo e em diferentes situações. Por outro lado, diante de desfechos positivos, pacientes com o TPB atribuíram a causa dos eventos a outras pessoas ou circunstâncias, diferentemente do grupo controle que atribuiu a si mesmo .
Também foram realizados estudos sobre estilo/viés de atribuição no contexto de outros transtornos psiquiátricos, tais como o Espectro da Esquizofrenia. Segundo a pesquisa de Monfort-Escrig et al. , quando comparado com um grupo controle saudável, indivíduos como histórico de episódios psicóticos mostraram maior prevalência de estilos de atribuição considerados negativos e pessimistas. Além disso, houve uma tendência desses indivíduos a interpretarem eventos corriqueiros/cotidianos como resultado de causas imprevisíveis e instáveis. Além disso, esse estudo mostrou que a presença de vieses de atribuição foi capaz de prever a severidade dos sintomas nucleares do transtorno (positivos e negativos) .
Em contexto semelhante, indivíduos que apresentam sintomas paranoides tendem a fazer menos atribuições situacionais diante de desfechos negativos e mais atribuições de intencionalidade a outro indivíduo (viés de personalização), estando a severidade do viés atribucional diretamente relacionado com o estágio da doença .
No Brasil, apesar da escassez de estudos focados em avaliar a atribuição de estados mentais, já foram publicados alguns dados relativos a esse domínio no contexto da educação. Kaulfuss e Boruchovitch publicaram um estudo que objetivou investigar as causas atribuídas pelos professores ao fracasso e sucesso escolar dos alunos e foi observado que professores com mais de 50 anos atribuíram a causa dos sucessos dos alunos a eventos incontroláveis, quando comparados com outros professores que foram classificados nas demais faixas etárias. Ainda nesse estudo, foi encontrado que professores com maior tempo de atuação atribuem causas internas e instáveis ao sucesso dos alunos, quando comparados com professores com menor tempo de atuação .
A busca atual encontrou outro estudo que também investigou as causas atribuídas ao sucesso escolar, no entanto, por parte dos próprios alunos . Esse estudo incluiu estudantes brasileiros, argentinos e mexicanos e demonstrou que os alunos de todas as nacionalidades atribuíam ao próprio nível de esforço para explicar o seu sucesso ou fracasso escolar. No entanto, também foi observado que argentinos e mexicanos atribuíam ao nível de esforço o fracasso escolar em maior frequência, quando comparados com os estudantes brasileiros, o que pode levantar discussões sobre a influências dos aspectos culturais na estruturação dos estilos de atribuição .
A análise das estratégias metodológicas de aferição do estilo/viés de atribuição revelou que o instrumento utilizado no estudo de Kaulfuss e Boruchovitch foi construído e validado especificamente para a população brasileira, nomeado pelos autores como “Escala de atribuição de causalidade para sucesso e fracasso de professores”, embora nāo tenha sido publicada. Já no estudo de Ferreira et al. não foi referenciado e nem exemplificado o questionário de autorrelato aplicado nos alunos participantes do estudo, o que prejudicou a análise da validade e robustez metodológica.
Em resumo, existe uma escassez importante quanto ao número de estudos focados em avaliar os estilos/vieses de atribuição no contexto brasileiro. Nāo é de conhecimento dos autores, até a publicação deste estudo, nenhum estudo que tenha sido conduzido para avaliar populações clínicas com qualquer transtorno psiquiátrico.
Essa revisão narrativa investigou questões fundamentais relacionadas aos estilos/vieses de atribuição, destacando a sua importância para a prática em psiquiatria e a importância de estudos que sejam conduzidos com populações clínicas brasileiras. Em primeiro lugar, certas questões conceituais quando não bem compreendidas podem resultar em um uso equivocado dos termos “vieses” e “estilos de atribuição” como sinônimos. Assim, uma das consequências potenciais é o erro de interpretação das observações.
A compreensão de estilos e vieses de atribuição se mostra particularmente útil para o entendimento da expressão fenomenológica e psicopatológica relacionada com esse construto cognitivo social. Com isso, para pensar na atribuição como adaptativa é essencial considerar o ambiente vivencial do indivíduo, reforçando a forma de atribuição como estilo de resposta e não déficit. Segundo, no Brasil, a escassez de estudos sobre viés de atribuição limita a compreensão desse processo no contexto nacional, restringindo a adaptação de instrumentos e a aplicação de intervenções culturalmente adequadas. Diante disso, futuras pesquisas devem expandir a investigação desse domínio em diferentes populações e contextos para o desenvolvimento de abordagens clínicas culturalmente sensíveis. Assim, ao compreender melhor os vieses e estilos de atribuição, podemos avançar na promoção de estratégias personalizadas para a redução de atribuições mal adaptativas, o que tem implicações tanto para a saúde mental quanto para as interações sociais.
1. Pilati R. Ciência e pseudociência: por que acreditamos naquilo em que queremos acreditar. São Paulo: Editora Contexto; 2018.
2. Banerjee D, Gidwani C, Sathyanarayana Rao TS. The role of 'Attributions' in social psychology and their relevance in psychosocial health: A narrative review. Indian J. Soc. Psychiatry. 2021;36, p. 277-83. h ttps://doi.org/10.4103/ijsp.ijsp_315_20
3. Kahneman D. A perspective on judgment and choice: Mapping bounded rationality. Am. Psychol. 2003 Sep;58(9):697-720. h ttps://doi.org/10.1037/0003-066X.58.9.697 PMid:14584987
4. Schulze A, Rommelfanger B, Schendel E, Schott H, Lerchl A, Vonderlin R, Lis S. Attributional style in Borderline personality disorder is associated with self-esteem and loneliness. Borderline Personal Disord Emot Dysregul. 2024 Aug 23;11(1):19. h ttps://doi.org/10.1186/s40479-024-00263-2 PMid:39175043 PMCid:PMC11342650
5. Figueiredo T, Mecca T. Cognição Social: Um guia para a compreensão das bases do comportamento social.São Paulo: Ampla; 2024.
6. Buck B, Browne J, Gagen EC, Penn DL. Hostile attribution bias in schizophrenia-spectrum disorders: narrative review of the literature and persisting questions. J Ment Health. 2023 Feb;32(1):132-49. h ttps://doi.org/10.1080/09638237.2020.1739240 PMid:32228272
7. Crick NR, Dodge KA. A review and reformulation of social information-processing mechanisms in children's social adjustment. Psychol Bull. 1994;115(1):74-101. h ttps://doi.org/10.1037/0033-2909.115.1.74
8. Baethge C, Goldbeck-Wood S, Mertens S. SANRA-a scale for the quality assessment of narrative review articles. Res. Integr Peer Rev. 2019;4(1):5. h ttps://doi.org/10.1186/s41073-019-0064-8 PMid:30962953 PMCid:PMC6434870
9. Canary DJ, Spitzberg BH. Attribution biases and associations between conflict strategies and competence outcomes. Commun Monogr. 1990;57(2):139-51. h ttps://doi.org/10.1080/03637759009376191
10. Bradbury TN, Fincham FD. Attributions in marriage: Review and critique. Psychol Bull. 1990 Jan;107(1):3-33. h ttps://doi.org/10.1037/0033-2909.107.1.3 PMid:2404292
11. Turner R, Hewstone M, Turner RN, Hewstone M. Attribution biases. In: Levine J, Hogg M. editors. Encyclopedia of Group Processes and Intergroup Relations. Thousand Oaks, CA: Sage, 2010.
12. Crandall CS, D'Anello S, Sakalli N, Lazarus E, Wieczorkowska G, Feather NT. An Attribution-Value model of prejudice: Anti-fat attitudes in six nations. Pers Soc Psychol Bull.2001;27(1):30-7. h ttps://doi.org/10.1177/0146167201271003
13. Crandall CS, Martinez R. Culture, Ideology, and Antifat Attitudes. Pers Soc Psychol Bull. 1996;22(11): 1165-76. h ttps://doi.org/10.1177/01461672962211007
14. Luck-Sikorski C, Riedel-Heller SG, Phelan JC. Changing attitudes towards obesity - results from a survey experimente. BMC Public Health. 2017;17(1):373. h ttps://doi.org/10.1186/s12889-017-4275-y PMid:28464915 PMCid:PMC5414181
15. Harris ST, Oakley C, Picchioni MM. A systematic review of the association between attributional bias/interpersonal style, and violence in schizophrenia/psychosis. Aggress Violent Behav. 2014;19(3):235-41. h ttps://doi.org/10.1016/j.avb.2014.04.009
16. Kinderman P, Bentall RP. A new measure of causal locus: The Internal, Personal and Situational Attributions Questionnaire. Personal Individ Differ. 1996;20(2):261-64. h ttps://doi.org/10.1016/0191-8869(95)00186-7
17. Berry K, Bucci S, Kinderman P, Emsley R, Corcoran R. An investigation of attributional style, theory of mind and executive functioning in acute paranoia and remission. Psychiatry Res. 2015;226(1):84-90. h ttps://doi.org/10.1016/j.psychres.2014.12.009 PMid:25618466
18. Rosset E. It's no accident: Our bias for intentional explanations. Cognition. 2008;108(3):771-80. h ttps://doi.org/10.1016/j.cognition.2008.07.001 PMid:18692779
19. Verhoef REJ, Alsem SC, Verhulp EE, De Castro BO. Hostile Intent Attribution and Aggressive Behavior in Children Revisited: A Meta-Analysis. Child Dev. 2019;90(5):e525-e547. h ttps://doi.org/10.1111/cdev.13255 PMid:31165477 PMCid:PMC6851691
20. Edwards R, Bond AJ. Narcissism, self-concept clarity and aggressive cognitive bias amongst mentally disordered offenders. J Forensic Psychiatry Psychol. 2012;23(5-6):620-34. h ttps://doi.org/10.1080/14789949.2012.715180
21. Pettigrew TF. The ultimate attribution error: extending Allport’s cognitive analysis of prejudice. Pers Soc Psychol Bull. 1979;5(4):461–76. h ttps://doi.org/10.1177/014616727900500407
22. Hewstone M. The ‘ultimate attribution error’? A review of the literature on intergroup causal attribution. Eur J Soc Psychol. 1990;20(4):311–35. h ttps://doi.org/10.1002/ejsp.2420200404
23. Anupama V, Bhola P, Thirthalli J, Mehta UM. Pattern of social cognition deficits in individuals with borderline personality disorder. Asian J Psychiatr. 2018 Mar:33:105-112. h ttps://doi.org/10.1016/j.ajp.2018.03.010 PMid:29554632
24. Gunderson JG, Lyoo IK. Family problems and relationships for adults with borderline personality disorder. Harv Rev Psychiatry. 1997;4(5):272-8. h ttps://doi.org/10.3109/10673229709030553 PMid:9385003
25. Westen D, Lohr N, Silk KR, Gold L, Kerber K. Object relations and social cognition in borderlines, major depressives, and normals: A Thematic Apperception Test analysis. Psychol Assess J Consult Clin Psychol. 1990;2(4,):355-64. h ttps://doi.org/10.1037/1040-3590.2.4.355
26. Monfort-Escrig C, Pena-Garijo J. Los estilos atribucionales y el funcionamiento social en la esquizofrenia. ¿Es adecuado el modelo de la indefensión aprendida?. Clínica Salud. 2021;32(1):7–14. h ttps://dx.doi.org/10.5093/clysa2020a21
27. Kaulfuss MA, Boruchovitch E. Atribuições causais de professores para o sucesso e o fracasso em ensinar. Psicol Esc E Educ. 2016;20:321-28. h ttps://doi.org/10.1590/2175-353920150202974
28. Ferreira MC, Assmar EML, Omar AG, Delgado HU, González AT, Silva JMB, Souza MA, Cisne MCF. Atribuição de causalidade ao sucesso e fracasso escolar: um estudo transcultural Brasil-Argentina-México. Psicol Reflex e Crítica.2022;15:515-27. h ttps://doi.org/10.1590/S0102-79722002000300006