Filiação dos autores:
1 [Diretora do Corpo Clínico, Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, HCFM-USP, São Paulo, SP, Brasil]
2 [Vice Coordenador, Departamento de Psicogeriatria, Associação Brasileira de Psiquiatria; Professor Adjunto de Psiquiatria e Coordenador do Ambulatório de Psicogeriatria, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil]
3 [Secretário Geral, Departamento de Psicogeriatria, Associação Brasileira de Psiquiatria, ABP, Rio de Janeiro, RJ, Brasil]
4 [Secretário, Sudeste, Departamento de Psicogeriatria, Associação Brasileira de Psiquiatria, ABP, Rio de Janeiro, RJ, Brasil]
5 [Secretária, Centro Oeste, Departamento de Psicogeriatria, Associação Brasileira de Psiquiatria, ABP; Professora Adjunta, Universidade de Brasília, UnB, Brasília, DF, Brasil]
6 [Secretário, Nordeste, Departamento de Psicogeriatria, Associação Brasileira de Psiquiatria; Professor Adjunto, Psiquiatria, Faculdade de Medicina do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, UFPE, Recife, PE, Brasil]
7 [Secretário, Regional Sul, Departamento de Psicogeriatria, Associação Brasileira de Psiquiatria, ABP; Professor, Medicina, Universidade do Sul de Santa Catarina, UNISUL, Tubarão, SC, Brasil]
]; 8, 9, 11, 12, 13, 14 [Membro, Departamento de Psicogeriatria, Associação Brasileira de Psiquiatria, ABP, Rio de Janeiro, RJ, Brasil]
10 [Secretário Norte, Departamento de Psicogeriatria, Associação Brasileira de Psiquiatria, ABP; Professor Adjunto, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Maranhão, UFMA, São Luís, MA, Brasil]
15 [Vice Presidente da ABP, Associação Brasileira de Psiquiatria, Rio de Janeiro, RJ, Brasil]
16 [Pós-Doutor em Medicina Molecular, Presidente, Associação Brasileira de Psiquiatria, ABP, Rio de Janeiro, RJ, Brasil]
Chief Editor responsible for the article: Leandro Fernandes Malloy-Diniz
Contribuição dos autores segundo a Taxonomia CRediT: Alves TCTF [1,10,14]; Ferreira RB, Pereira LA, Nicolato R, Toledo MAV, Luna JVA, Bussolo AG, Aguiar CCT [5,13]; Berger AK, Alves GS, Cruz NL, Stoppe A Jr, Borges MK [11,13]; Allevato M [11,14]; Martins CM [14]; Silva AG [1,14].
Conflito de interesses: TCTFA participou como palestrante em simpósios promovidos pelo laboratório Johnson & Johnson, fez parte de grupos de consultoria para os laboratórios Johnson & Johnson e Teva e é investigadora principal em estudo clínico da Johnson & Johnson (VENTURA) em temáticas não relacionados ao presente artigo.
Fonte de financiamento: declaram não haver
Parecer CEP: não se aplica
Recebido em: 16/05/2025 | Aprovado em: 27/05/2025 | Publicado em: 01/06/2025
Como citar: Alves TCTF, Ferreira RB, Pereira LA, Nicolato R, Toledo MAV, Luna JVA, Bussolo AG, Aguiar CCT, Berger AK, Alves GS, Cruz NL, Stoppe A Jr, Borges MK, Allevato M, Martins CM, Silva AG. Considerações do Departamento de Psicogeriatria da ABP sobre a aprovação e uso clínico do donanemabe na doença de Alzheimer pela ANVISA. Debates Psiquiatr. 2025;15:1-10. https://doi.org/10.25118/2763-9037.2025.v15.1464
O Departamento de Psicogeriatria, após análise crítica dos estudos pivotais e da literatura científica recente, emite as seguintes considerações sobre a aprovação e o uso clínico do donanemabe, anticorpo monoclonal direcionado à beta-amiloide, para indivíduos com comprometimento cognitivo leve (CCL) ou demência leve devido à doença de Alzheimer (DA).
Palavras-chave: donanemabe, doença de Alzheimer, demência.
The Department of Psychogeriatrics, after critical analysis of pivotal studies and recent scientific literature, issues the following considerations on the approval and clinical use of donanemab, a monoclonal antibody targeting beta-amyloid, for individuals with mild cognitive impairment (MCI) or mild dementia due to Alzheimer's disease (AD).
Keywords: donanemabe, Alzheimer´s disease, dementia.
El Departamento de Psicogeriatría, después del análisis crítico de estudios fundamentales y literatura científica reciente, emite las siguientes consideraciones sobre la aprobación y el uso clínico de donanemab, un anticuerpo monoclonal dirigido al beta-amiloide, para individuos con deterioro cognitivo leve (DCL) o demencia leve debido a la enfermedad de Alzheimer (EA).
Palabras clave: donanemabe, enfermedad de Alzheimer, demencia.
A doença de Alzheimer (DA) é atualmente a principal causa de demência no mundo e, em abril de 2025, a ANVISA aprovou o donanemabe (Kisunla®), um anticorpo monoclonal que atua diretamente nas placas amiloides , porém exige cuidados na indicação devido aos potenciais riscos significativos envolvidos .
O donanemabe é um anticorpo monoclonal que se liga a formas específicas do peptídeo beta-amiloide (N3pE-Aβ), promovendo a remoção das placas amiloides cerebrais . É indicado para adultos com CCL e demência leve associada à DA confirmados por biomarcador da presença de patologia amiloide em Tomografia com Emissão de Pósitrons (PET) ou pesquisa no liquor (LCR) de pacientes heterozigotos ou não portadores da variante ε4 do gene que codifica a Apolipoproteína E (ApoE ε4) .
O estudo pivotal TRAILBLAZER-ALZ 2 demonstrou que o donanemabe foi eficaz em retardar a progressão clínica da DA em fases iniciais, com redução da carga de amiloide cerebral . O TRAILBLAZER-ALZ 2 foi um ensaio clínico de fase 3, multicêntrico, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, que avaliou a eficácia e segurança do donanemabe em 1736 pacientes, com idades entre 60 e 85 anos, com CCL ou DA leve e confirmação de patologia amilóide e da proteína tau por PET . Os participantes foram divididos em dois grupos principais: aqueles com níveis baixos/médios de tau (n=1.182) e aqueles com níveis altos de tau (n=552). Foram observados:
No entanto, deve-se destacar a seguinte observação:
Pequeno impacto clínico: diferenças de 3,25 pontos no desfecho primário do estudo, a escala Integrated Alzheimer's Disease Rating Scale (iADRS) (144 pontos totais) e de 0,5 pontos na CDR-SB (escala de 0 a 18) , um dos desfechos secundários.
É fundamental, ainda, ressaltar que eventos adversos de relevância clínica, sobretudo as anormalidades de imagem relacionadas ao amiloide (ARIA), foram identificados com frequência superior nos grupos tratados, em comparação ao placebo . Os quadros de ARIA podem ser assintomáticos (identificados nos exames de RM de controle), com sintomas leves a moderados (cefaleia, confusão mental, tontura, alteração visual, alteração de marcha, náusea) ou com sintomas graves (convulsões. encefalite, alterações neurológicas focais) e morte .
A ocorrência de ARIA-E (edema) e ARIA-H (hemorragias) reforça a necessidade de protocolos rigorosos de monitoramento por ressonância magnética (RM) e da avaliação cuidadosa dos fatores de risco individuais, como a presença do alelo APOE ε4 . Esses eventos adversos são mais comuns nos primeiros seis meses de tratamento e requerem monitoramento cuidadoso, geralmente por meio de ressonâncias magnéticas periódicas .
Com relação às ARIA, foram observados nesse estudo:
Portanto, é importante ressaltar que o donanemabe apresenta contraindicações e que pacientes homozigotos para o gene ApoE ε4 apresentam um risco significativamente elevado de desenvolver ARIA, e não são elegíveis para o tratamento .
Além disso, pacientes em uso de anticoagulantes, com diagnóstico prévio de angiopatia amiloide cerebral, com achados de mais de quatro micro-hemorragias cerebrais ou siderose superficial cortical também não devem receber tratamento com donanemabe .
O Quadro 1 nos mostra os recursos clínicos necessários para o uso seguro e efetivo do donanemabe.
Um estudo de revisão recente considerou que o benefício clínico dos anticorpos monocolonais direcionados à amiloide, inclusive do donanemabe, foram bastante modestos e estiveram acompanhados de riscos clinicamente significativos. Portanto, os benefício potenciais de sua utilização devem ser ponderados frente aos riscos, especialmente em populações mais vulneráveis, como idosos com comorbidades cardiovasculares, anticoagulação crônica ou alterações vasculares cerebrais preexistentes.
Há necessidade de avaliação criteriosa por equipe multidisciplinar envolvendo médicos especialistas, com conhecimento técnico sólido e experiência no tratamento da doença de Alzheimer, para o estabelecimento de recomendações precisas quanto à utilização da droga e realização do acompanhamento dos pacientes. Dessa forma, será possível proporcionar a melhor efetividade possível para cada paciente, levendo em consideração os critérios de eficácia, segurança e tolerabilidade.
A introdução do donanemabe na prática clínica brasileira representa um marco terapêutico, porém exige a adoção critérios rigorosos de indicação e a disponibilidade de estrutura assistencial especializada. É imprescindível uma abordagem centrada no paciente, com ênfase na decisão clínica compartilhada e informada levando em conta tanto o risco/beneficio como o custo/beneficio.
Para que seja possível alcançar tais objetivos o Departamento de Psicogeriatria da ABP exara as seguintes recomendações:
Em suma, o donanemabe é uma inovação terapêutica promissora no tratamento da doença de Alzheimer em fase inicial. No entanto, seu uso clínico deve ser reservado a centros especializados, com recursos diagnósticos e assistenciais adequados, monitoramento rigoroso de segurança, e tomada de decisão compartilhada entre médicos, pacientes e familiares. A atuação ética e técnica dos profissionais da psicogeriatria será fundamental para garantir a efetividade e a segurança desse tratamento no cenário brasileiro.
1. Rabinovici GD, Selkoe DJ, Schindler SE, Aisen P, Apostolova LG, Atri A, Greenberg SM, Hendrix SB, Petersen RC, Weiner M, Salloway S, Cummings J. Donanemab: appropriate use recommendations. J Prev Alzheimers Dis. 2025;12:1-18. https://doi.org/10.1016/j.tjpad.2025.100150 PMid:40155270
2. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Kisunla (donanemabe): novo registro [Internet]. Brasília: ANVISA; 2025. [citado 2025 Abr. 27]. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa
3. Ebell MH, Barry HC, Baduni K, Grasso G. Clinically important benefits and harms of monoclonal antibodies targeting amyloid for the treatment of Alzheimer disease: a systematic review and meta-analysis. Ann Fam Med. 2024;22(1):50-8. https://doi.org/10.1370/afm.3050 PMid:38253509 PMCid:PMC11233076
4. Sims JR, Zimmer JA, Evans CD, Lu M, Ardayfio P, Sparks JD, Wessels AM, Shcherbinin S, Wang H, Nery ESM, Collins EC, Solomon P, Salloway S, Apostolova LG, Hansson O, Ritchie C, Brooks DA, Mintun M, Skovronsky DM. Donanemab in early symptomatic Alzheimer's disease. JAMA. 2023;330(10):512-27. https://doi.org/10.1136/dtb.2024.000020 PMid: 38580400
5. Mintun M, Ritchie CW, Solomon P, Sims JR, Salloway S, Hansson O, Apostolova LG, Zimmer JA, Evans CD, Lu M, Ardayfio PA, Sparks JD, Wessels AM, Shcherbinin S, Wang H, Nery ESM, Collins EC, Dennehy EB, Brooks DA, Skovronsky DM. Donanemab treatment effects on amyloid and tau PET imaging biomarkers in early symptomatic Alzheimer's disease: results from TRAILBLAZER-ALZ 2. Alzheimers Dement. 2023;19(S24): e082733. https://doi.org/10.1002/alz.082733
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7. Hampel H, Elhage A, Cho M, Apostolova LG, Nicoll JAR, Atri A. Amyloid-related imaging abnormalities (ARIA): radiological, biological and clinical characteristics. Brain. 2023 Nov 2;146(11):4414-24. https://doi.org/10.1093/brain/awad188 PMid:37280110 PMCid:PMC10629981
8. Klein EG, Schroeder K, Wessels AM, Phipps A, Japha M, Schilling T, Zimmer JA. How donanemab data address the coverage with evidence development questions. Alzheimers Dement. 2024 Apr;20(4):3127-40. https://doi.org/10.1002/alz.13700 PMid:38323738 PMCid:PMC11032520