Posicionamento oficial da Associação Brasileira de Psiquiatria relativo ao uso da cannabis em tratamentos psiquiátricos

PDF em inglês: https://doi.org/10.47626/1516-4446-2022-0043

Autores

  • Antônio Geraldo da Silva Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, Porto, Portugal. Pós-doutorando em Medicina Molecular, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil https://orcid.org/0000-0003-3423-7076
  • Leonardo Rodrigo Baldaçara Diretor Regional Centro-Oeste e Coordenador da Comissão de Emergências Psiquiátricas da Associação Brasileira de Psiquiatria, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Universidade Federal do Tocantins, UFT, Palmas, TO, Brasil

DOI:

https://doi.org/10.25118/2763-9037.2022.v12.393

Palavras-chave:

cannabis, tratamento psiquiátrico, canabidiol

Resumo

Questão:

Tendo em vista as diversas pesquisas realizadas no Brasil e em todo o mundo que tentam descobrir se realmente há eficácia no uso de canabidiol (CBD) no tratamento de diversas doenças, a Associação Brasileira de Psiquiatria - ABP publica seu posicionamento oficial a respeito do assunto.

Posição da ABP:

1- Não há evidências científicas suficientes que justifiquem o uso de nenhum dos derivados da cannabis no tratamento de doenças mentais. Em contrapartida, diversos estudos associam o uso e abuso de cannabis, bem como de outras substâncias psicoativas, ao desenvolvimento e agravamento de doenças mentais.1-6

2- O uso e abuso das substâncias psicoativas presentes na cannabis causam dependência química, podem desencadear quadros psiquiátricos e, ainda, piorar os sintomas de doenças mentais já diagnosticadas. Esse é o caso da esquizofrenia - estima-se que o risco para desenvolvimento da doença seja quatro vezes maior e o uso de cannabis piora o prognóstico da doença. O uso de cannabis também está associado à alteração basal de humor, à depressão, ao transtorno bipolar, aos transtornos de ansiedade, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e à ideação suicida.1,4,7-9

3- As pesquisas sobre o CBD devem continuar, mas os estudos sobre os efeitos colaterais e a probabilidade de dependência também devem ser realizados e intensificados.4,9

4- Alguns veículos midiáticos brasileiros têm endossado estudos sobre os possíveis "benefícios" da cannabis, corroborando para interpretações equivocadas e contribuindo para a impressão de que a maconha é um produto totalmente seguro e inofensivo para o consumo, sobretudo pelos mais jovens.1,9 Essa "publicidade" positiva remete à época em que os cigarros eram comercializados com chancela da mídia e até mesmo de parte da comunidade médica para atender interesses financeiros.

5- No Brasil, o Conselho Federal de Medicina - CFM autoriza o uso compassivo do CBD apenas para crianças e adolescentes com epilepsia de difícil tratamento, por meio da Resolução nº 2.113 de 2014.10

6- Assim como a ABP, a Associação Americana de Psiquiatria (em inglês, American Psychiatric Association - APA)6 não endossa o uso da cannabis para fins medicinais. Um dos trechos do documento produzido pela APA diz que "não há evidências científicas atuais de que a cannabis seja benéfica para o tratamento de qualquer transtorno psiquiátrico. Em contraste, as evidências atuais apoiam, no mínimo, uma forte associação do uso de cannabis com o aparecimento de transtornos psiquiátricos.6 Os adolescentes são particularmente vulneráveis ​​a danos, devido aos efeitos da cannabis no desenvolvimento neurológico."1

7- O tratamento de qualquer doença deve ser realizado baseado em evidências científicas e os médicos que receitam o uso da cannabis para fins medicinais devem ter plena consciência dos riscos e responsabilidades inerentes à prescrição.4

8- Não há nenhuma evidência científica convincente de que o uso de canabidiol ou quaisquer dos canabinoides possam ter qualquer efeito terapêutico para qualquer transtorno mental. Importante salientar que não vem ao caso se uma substância é sintética ou natural, sem ensaios clínicos bem desenhados não se pode indicar qualquer substância para o tratamento de qualquer doença.2,4

9- A ABP apoia todas as linhas de pesquisas científicas para a busca de novas soluções para doenças sem tratamento, desde que obedeça todos os regramentos relativos às pesquisas científicas. 

10- A ABP após avaliação criteriosa, tendo em vista os diversos prejuízos destacados, no momento, não apoia o uso da cannabis e de seus derivados com fins medicinais na área de Psiquiatria, nem apoia seu uso para fins recreativos.

É importante ter em mente que não há nenhum registro em nenhuma agência reguladora internacional de nenhum canabinoide para tratamento de nenhuma doença psiquiátrica.

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Referências

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Publicado

2022-07-25

Como Citar

1.
Silva AG da, Baldaçara LR. Posicionamento oficial da Associação Brasileira de Psiquiatria relativo ao uso da cannabis em tratamentos psiquiátricos: PDF em inglês: https://doi.org/10.47626/1516-4446-2022-0043. Debates em Psiquiatria [Internet]. 25º de julho de 2022 [citado 28º de março de 2024];12:1-6. Disponível em: https://revistardp.org.br/revista/article/view/393

Edição

Seção

Editorial

Plaudit

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