Artigo de Revisão

Microbiota intestinal versus saúde mental: descobertas que podem impactar protocolos de tratamento psiquiátrico

Gut microbiota versus mental health: discoveries that could impact psychiatric treatment protocols

Microbiota intestinal versus salud mental: descubrimientos que podrían impactar los protocolos de tratamiento psiquiátrico

1. Audrey Ribeiro Fischer
e-mail orcid Lattes

2. Hayslla Mikaella do Couto Araújo
orcid Lattes

Filiação dos autores:

1 [Especializanda, Psiquiatria, Universidade Federal Fluminense, UFF, Rio de Janeiro, RJ, Brasil];

2 [Farmacêutica, Hospital Regional de Vilhena, HRV, Vilhena, RO, Brasil].

Editor-chefe responsável pelo artigo: Marsal Sanches

Contribuição dos autores segundo a Taxonomia CRediT: Fischer AR [1,2,3,5,6,12], Araújo HMC [1,2,3,5,6,7,10,12]

Recebido em: 17/10/2023 | Aprovado em: 30/01/2024 | Publicado em: 04/02/2024

Como citar: Fischer AR, Araújo HMC. Microbiota intestinal versus Saúde mental: descobertas que podem impactar protocolos de tratamento psiquiátrico. Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024;14:1-23. https://doi.org/10.25118/2763-9037.2024.v14.1074

Resumo

Introdução: AA descoberta da comunicação bidirecional entre intestino e cérebro tem despertado interesse para a compreensão do papel da microbiota intestinal na regulação dos processos emocionais. Objetivo: Analisar o mecanismo de influência direta da microbiota intestinal no sistema nervoso e apontar possíveis desafios enfrentados na estratégia de tratamento, abordando possíveis impactos em protocolos de tratamento. Método: Trata-se de pesquisa de revisão de literatura do tipo integrativa cuja finalidade deu-se para reunir e resumir os estudos já publicados entre o período de 2013 a 2023 acerca do tema investigado visando atender os objetivos propostos. Resultados: Foram encontrados cerca de 1.400 artigos publicados, sendo perceptível o aumento do número de publicações a partir do ano de 2012. Após aplicar os critérios de inclusão e discutir sobre os artigos encontrados entre os autores, foram selecionados 07 artigos que contemplassem no mínimo um dos objetivos propostos para a investigação do tema proposto. Discussão: A partir do conhecimento dos mecanismos de perturbação da microbiota intestinal, somados a neurobiologia dos transtornos mentais, é possível fazer associação dos medicamentos psicobióticos como potencializadores do tratamento na abordagem a saúde mental. Visto que, o estado de eubiose pode contribuir diretamente para com o sucesso do tratamento farmacológico. Conclusão: É necessário desenvolver uma microbiota intestinal saudável para a conquista da homeostase, garantindo proteção, manutenção da função imunológica da mucosa intestinal, absorção de nutrientes e regulação de neurotransmissores importantes na saúde mental.

Palavras-chave: microbioma gastrointestinal, microbiota intestinal, eixo cérebro-intestino-microbioma, saúde mental, intestino, cérebro, psicobióticos.

Abstract

Introduction: The discovery of bidirectional communication between the intestine and brain has sparked interest in understanding the role of the intestinal microbiota in regulating emotional processes. Objective: To analyze the mechanism of direct influence of the intestinal microbiota on the nervous system and point out possible challenges faced in the treatment strategy, addressing possible impacts on treatment protocols. Method: This is an integrative literature review research whose purpose was to gather and summarize the studies already published between the period 2013 and 2023 on the topic investigated in order to meet the proposed objectives.Results: Around 1,400 published articles were found, with a noticeable increase in the number of publications from 2012 onwards. After applying the inclusion criteria and discussing the articles found among the authors, 07 articles were selected that included at least one of the proposed objectives for the investigation of the proposed topic. Discussion: Based on the knowledge of the mechanisms of disruption of the intestinal microbiota, combined with the neurobiology of mental disorders, it is possible to associate psychobiotic medications as treatment enhancers in the approach to mental health. Since, the state of eubiosis can directly contribute to the success of pharmacological treatment. Conclusion: It is necessary to develop a healthy intestinal microbiota to achieve homeostasis, ensuring protection, maintenance of the immune function of the intestinal mucosa, absorption of nutrients and regulation of neurotransmitters important in mental health.

Keywords: gastrointestinal microbiome, intestinal microbiota, brain gut microbiome axis, mental health, gut, brain, psychobiotics.

Resumen

Introducción: El descubrimiento de la comunicación bidireccional entre el intestino y el cerebro tiene un interés despertado para comprender el papel de la microbiota intestinal y la regulación de los procesos emocionales. Objetivo: Analizar el mecanismo de influencia directa de la microbiota intestinal en el sistema nervioso y poner en evidencia los desafíos enfrentados en la estrategia de tratamiento, abordando los posibles impactos en los protocolos de tratamiento. Método: Trata-se de pesquisa de revisão de literatura do tipo integrativa cuja fine deu-se para reunir y resumir os estudos já publicados entre o período de 2013 a 2023 acerca del tema investigado visando atender os objetivos propuestos. Resultados: Foro encontrado cerca de 1.400 artículos publicados, sendo perceptível o aumento del número de publicaciones a partir del año 2012. Después de aplicar los criterios de inclusión y discutir sobre los artículos encontrados entre los autores, foro seleccionado 07 artículos que contemplassem no mínimo um dos objetivos propuestos para una investigación del tema propuesto. Discusión: A partir del conocimiento de los mecanismos de perturbación de la microbiota intestinal, somados y neurobiología de los transtornos mentales, es posible asociar dos medicamentos psicobióticos como potencializadores del tratamiento de la salud mental. Visto que, el estado de eubiosis puede contribuir directamente para el éxito del tratamiento farmacológico. Conclusión: Es necesario desarrollar una microbiota intestinal saludable para conquistar la homeostasis, garantizar la protección, el mantenimiento de la función inmunológica de la mucosa intestinal, la absorción de nutrientes y la regulación de los neurotransmisores importantes de la salud mental.

Palabras clave: microbioma gastrointestinal, microbiota intestinal, eje cerebro-intestino-microbioma, salud mental, tripa, cerebro, psicobioticos.

Introdução

A microbiota intestinal é um ecossistema compacto e diversificado com participação de cerca de 1.000 a 5.000 espécies diferentes de microrganismos que habitam o trato gastrointestinal, das quais, cerca de 99% pertencem aos filos Firmicutes, Bacteroidetes, Proteobacteria e Actinobacteria. Estas devem se manter em estado de equilíbrio com o hospedeiro, denominado simbiose .

A descoberta da comunicação bidirecional, por meio das vias aferentes da via vagal, entre o intestino e o cérebro conhecida por eixo intestino-cérebro, tem traçado novas perspectivas para compreensão do papel da microbiota intestinal na regulação dos processos emocionais no contexto de saúde mental, exercendo influência direta sobre o cérebro e o comportamento. Além de desencadear efeitos também no sistema neuroendócrino.

Estudos recentes têm demonstrado a relação da composição e diversidade da microbiota intestinal com alterações de humor e comportamento, portanto, uma das maneiras de influência desse mecanismo sobre a saúde mental pode ocorrer através da produção de neurotransmissores como a serotonina, melatonina e o GABA desempenhando excelente papel na saúde mental e cognição.

Além disso, soma-se à influência da microbiota intestinal saudável na saúde, o potencial de modulação de resposta inflamatória do organismo mediante a produção de citocinas anti-inflamatórias e redução das citocinas pró-inflamatórias. A partir de uma microbiota saudável e protetora é possível garantir a integridade da barreira intestinal, inibindo a produção de metabólitos tóxico, migração e crescimento patogênico, e assim prevenir estrategicamente a endotoxemia para diminuir a cascata de inflamação.

A comunicação entre o intestino e o cérebro atinge diversas vias dos organismos, é dizer, os benefícios da microbiota intestinal saudável estendem-se para além da modulação neural e imune, chegando a atingir o sistema endócrino e metabólico. Já que pode envolver diretamente mecanismos mediados pelo eixo hipotálamo-pituitário-adrenal (HPA)

A partir da compreensão dos mecanismos de funcionamento do sistema nervoso entérico (SNE), bem como, o sistema neuroendócrino, busca-se compreender mecanismos que podem driblar suas disfunções, como por exemplo, o uso de psicobióticos e outras estratégias em estudos. Para compreender o comportamento e controle da microbiota intestinal para com o organismo assim como sua influência na saúde mental realizou-se esta pesquisa de revisão. Uma vez que a identificação destas lacunas pode colaborar para o desenvolvimento de estratégias de tratamentos inovadores e mais eficazes tanto no tratamento quanto na prevenção de alterações emocionais e sistêmicas. .

O presente estudo tem por objetivo analisar o mecanismo de influência da microbiota intestinal para com o sistema cerebral, assim como descrever seu impacto de forma direta e indiretamente na saúde mental, apontando possíveis desafios enfrentados nas estratégias de tratamento a partir da modulação da microbiota intestinal..

Métodos

Trata-se de pesquisa de revisão de literatura do tipo integrativa cuja finalidade deu-se para reunir e resumir os estudos já publicados acerca do tema investigado visando atender os objetivos propostos. Portanto, objetivou-se analisar e sintetizar evidências que colaboram para com o desenvolvimento e aprofundamento do conhecimento sobre as contribuições da microbiota intestinal interferindo na saúde mental.

Baseada nas principais bases de dados científicas online PubMed, Scielo e LILACS. As publicações científicas sobre a influência da microbiota intestinal na saúde mental, foram selecionadas com base nas palavras-chave: microbiota intestinal; saúde mental; intestino; cérebro; psicobióticos e seus cruzamentos, devidamente cadastradas nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS).

As buscas foram realizadas entre o período de 2013 a 2023. Os critérios de inclusão definidos para a seleção dos artigos foram: todos aqueles que publicados em inglês e português na íntegra apresentassem pelo menos um dos objetivos propostos, sendo eles: descrever o mecanismo de influência da microbiota intestinal sob o sistema cerebral; e possíveis estratégias de tratamento a partir da modulação da microbiota intestinal. E que apresentassem os descritores definidos para a pesquisa, estando indexados nas bases de dados citadas anteriormente nos últimos 10 anos. Definindo assim como critério de exclusão todos aqueles que não estavam completos, os que estavam duplicados, em outros idiomas e fora do período proposto para a pesquisa, e que não apresentasse um dos objetivos propostos e nenhum dos descritores definidos, conforme Figura 1.

Imagem para zoom

Excluiu-se também as publicações que abordavam outros mecanismos de interação da microbiota intestinal que não fosse o sistema nervoso, assim como os que não mencionavam estratégias de tratamento a partir da modulação da microbiota intestinal.

A fim de garantir boa visualização, e melhor leitura e compreensão dos dados coletados para a investigação, estes foram distribuídos em tabela que detalharam: autor, ano e revista; título; objetivos; principais resultados e conclusão, para posterior discussão em tópicos dos resultados encontrados, conforme disposto na Tabela 1.

Resultados

Foram encontrados cerca de 1.400 artigos publicados, sendo perceptível o aumento do número de publicações do ano de 2012 em diante. Cujos títulos e resumos passaram por leitura minuciosa em busca de artigos que abordassem o tema em investigação.

Grande quantidade dos artigos publicados não apresentavam as palavras-chave e não estavam publicados em revistas nacionais e internacionais na íntegra, portanto, foram excluídos. Diversos que não abordavam os mecanismos da influência da microbiota intestinal no sistema cerebral, é dizer na saúde mental, foram excluídos da pesquisa.

Após aplicar os critérios de inclusão e discutir sobre os artigos encontrados entre os autores, foram selecionados 11 artigos que contemplassem no mínimo um dos objetivos propostos para a investigação do tema proposto, e posteriormente, inseridos na tabela abaixo.

Discussão

A microbiota intestinal estabelece uma relação harmônica, é dizer, simbiótica com o ser humano, exercendo diversas funções. Dentre estas funções, encontra-se a de proteção que consiste no mecanismo de antagonismo microbiano, quer dizer que afasta os microrganismos patogênicos através da competição por nutrição, além da produção de bacteriocinas e produção de ácido lático pela microbiota saudável.Além desta proteção contra os patógenos, envolve participação nos processos de digestão e absorção de nutrientes, na síntese de vitaminas e metabolização de substâncias tóxicas. A relação de funções exercidas pela microbiota ultrapassa as barreiras do órgão que as habita, podendo atuar também no comportamento cerebral. .

Por meio de comunicação bidirecional das vias aferentes do sistema vagal, é possível desencadear sinalização imunológica, endócrina, metabólica e neural. Diante da comunicação entre múltiplos sistemas formando uma rede, recebe o nome de sistema nervoso entérico, que possui papel significativo na manutenção da homeostase no SNC e gastrointestinal. Nessa acepção, a saúde mental implica muito mais do que ausência de doenças.

Estudos apontam melhora da resposta de cognição pela via vagal, a preservação do sistema nervoso central, uma vez que os produtos formados, responsáveis por modular a atividade vagal, diminuem as chances de apoptose neural. Foi demonstrado também que Lactobacillus rhamnosus podem influenciar a expressão dos receptores de GABA em regiões relacionadas às emoções e ao comportamento.

A Figura 2, adaptado por Tonini, Vaz e Mazur, mostra o impacto da microbiota intestinal da regulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA). Esse eixo reage a condições relacionados ao estresse, e é considerado uma via neuroendócrina essencial ao desenvolvimento do corpo humano.

Imagem para zoom

Conforme ilustrado, a microbiota saudável permite a homeostase nos circuitos neuronais e sistema imunitário, em contrapartida, alterações na microbiota desencadeiam hiperativação do eixo HPA, causando desordens nos circuitos neurais e consequentemente alterações nos níveis de neurotransmissores e hormônios. Além de desencadear excesso na produção de citocinas pró-inflamatórias, prejudicando a função da barreira intestinal, facilitando sua ruptura.

Portanto, compreendendo a cascata de alterações desencadeadas pela perturbação da microbiota intestinal, pode-se afirmar que distúrbios mentais podem surgir, gerando prejuízos de neurodesenvolvimento, cognição, emocionais e até comportamentos. Conhecendo a neurobiologia dos transtornos mentais e assim correlacionar suas manifestações clínicas, é possível fazer conexão com as alterações ocasionadas pelo sistema nervoso entérico e assim tentar definir estratégias de tratamento.

Como por exemplo, o transtorno de ansiedade e depressivo é considerado a doença mental mais comum em todo o mundo, ocorre através da deficiência de neurotransmissores, como a serotonina nas fendas sinápticas. Diversos fatores contribuem para o seu desenvolvimento, podendo incluir a provação de sono, distúrbios inflamatórios e endócrinos, carência nutricional e até mesmo o distúrbio da microbiota intestinal.

Apenas 2% da serotonina do corpo humano é produzida por neurônios. No TGI, a serotonina é secretada pelas células argentafins e corresponde a 90% desta no corpo humano. Porém, esse hormônio produzido a nível intestinal, é dizer, periférico, não atravessa a barreira hematoencefálica, portanto, não sendo imprescindível na regulação do estado emocional, porém contribui significativamente para modulações de outros sistemas, incluindo a eubiose .

A microbiota do intestino também participa da produção de ácido-gama-aminobutírico (GABA) e triptofano. O GABA é o principal neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central e pode ser produzido diretamente por Levilactobacillus brevis e Bifidobacterium dentium, pode atravessar a barreira hematoencefálica e modular seus efeitos, sendo estes neurotransmissores associados a doenças psiquiátricas e neurológicas.

Estudos recentes têm demonstrado impactos positivos e negativos da microbiota mencionada em Transtorno do Espectro Autista, Mal de Parkinson, Alzheimer e até Esquizofrenia. As modificações da microbiota podem ser categorizadas em três grandes grupos: depleção (antibióticos), modulação (prebióticos, probióticos e simbióticos) e reposição (transplante de microbiota fecal). É preciso entender o estado da microbiota para promover sua modulação.

Prebióticos, probióticos e simbióticos

Os prebióticos são compostos fermentados que tem por objetivo promover o crescimento das bactérias benéficas do intestino, ou seja, servem de nutrientes para que estas modulem as respostas da microbiota do TGI nas atividades neuroendócrinas. Os principais são a inulina e os frutooligossacarídeos que atuam no crescimento de lactobacillus e bifidobactérias benéficas.

Os probióticos são microrganismos vivos que trazem benefícios à saúde do hospedeiro, como por exemplo, Cepas de Bifidobacterium e Lactobacillus que podem inibir a colonização de patógenos, melhorar a função de barreira e modular a resposta imune.

Os simbióticos são uma combinação de prebióticos e probióticos e possuem mecanismos sinérgicos, estes modulam a atividade metabólica no intestino pode meio da manutenção da bioestrututra intestinal e aumento da sobrevivência dos probióticos, reduzindo o número de metabólitos indesejados e considerados tóxicos.

Existe ainda os Pós-bióticos que são compostos bioativos específicos liberados por microrganismos através de sua atividade metabólica. Todos com finalidade de promover a modulação da resposta intestinal sobre o sistema neuroendócrino garantindo a homeostase do corpo. Todos estes pertencem a classe de “Alimentos Funcionais e Nutracêuticos” que são responsáveis por promover melhorias na saúde.

O número de bactérias vivas por suplemento é um parâmetro importante e decisivo durante a farmacoterapia. Sabe-se que a maioria dos compostos psicobióticos contém 30 bilhões de unidade formadora de colônia (UFC) por cápsula ou mais, enquanto alguns deles contêm entre 4 e 15 bilhões de UFC/cápsula.

Psicobióticos

No entanto, estes nutracêuticos não se limitam e podem ser definidos como psicobióticos, sendo este termo aplicado a qualquer fator exógeno que mediado por bactérias exerça benefício ao sistema nervoso central, podendo se tratar de microrganismos ou substâncias que apresentam benefício à saúde mental.

O mecanismo de ação dos psicobióticos ainda não está bem elucidado na literatura científica, mas estudos evidenciam que seu uso em doses terapêuticas, desencadeiam a atuação através do sistema endócrino ou HPA, atuando em resposta aos estímulos internos ou externos, na redução da inflamação e por secreção de metabólitos como os neurotransmissores, proteínas e ácidos graxos de cadeia curta.

Sabe-se que após interação com as células endócrinas da mucosa, os psicobióticos causam aumento no nível de ácidos graxos de cadeia curta como acetato, butirato, lactato e propionato. Portanto, estudos concluíram que o uso de probióticos com potencial psicobiótico não só restaurará a função da barreira intestinal, tornando-a resistente a bactérias nocivas, mas também diminuirá ainda mais a circulação de bactérias patogênicas. As bactérias com potencial psicobiótico mais consumidas são Lactobacillus plantarum, L. helveticus e B. longum.

Sabe-se que a ação e indicação destes produtos tende a variar conforme a espécie predominante na região intestinal, e os sintomas manifestados por sua ausência. Por exemplo, o Lactobacillus helveticus, Bifidobacterium longum com potencial ansiolítico, somando-se a estes, os Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium bifidum no tratamento da depressão.

Outro estudo clínico afirma essa eficácia clínica através da administração de um composto simbiótico de L. casei, L. acidophilus, L. bulgaricus, L. rhamnosus, Bacillus breve, B. longum, Streptococcus thermophiles e frutooligossacarídeos prebióticos a um conjunto de pacientes com sintomas depressivos moderados, cujo resultado da associação apresentou reduções significativas do quadro clínico quando comparados ao placebo utilizado. Estudos indicam que a melhora dos sintomas depressivos pode estar diretamente relacionada ao aumento dos níveis de BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro).

Estudos clínicos fornecem dados positivos sobre possíveis mecanismos quanto ao uso de probióticos/psicobióticos para indicações psiquiátricas, sobretudo na melhora do humor. Todavia existem resultados que ainda apresentam inconsistências quanto aos tratamentos com probióticos já que os participantes da pesquisa nem sempre apresentavam o transtorno adequadamente diagnosticado.

Novos estudos quanto ao tema proposto têm levantado hipóteses evidenciando os benefícios na veiculação de psicobióticos em alimentos, como as bebidas fermentadas e extrato de soja fermentado .

Outras estratégias de tratamento da microbiota intestinal

Novas opções terapêuticas têm sido desenvolvidas para diversos tratamento, o transplante de microbiota fecal é um método eficaz já comprovado, no qual a microbiota isolada de um doador é transferida para o trato intestinal do paciente receptor por meio de endoscopia duodenal ou colonoscopia. Onde permanecem por aproximadamente três meses, normalizando a estrutura e função do microbioma daquela região.

Essa nova estratégia terapêutica tem sido muito bem sucedida, com cerca de 90% de eficácia no tratamento da Clostridium difficille. Sendo assim, pode-se esperar que essa estratégia possa ser útil na substituição da microbiota intestinal para outras doenças nas quais a disbiose esteja envolvida, como constipação crônica, síndrome do intestino irritável, doença de Crohn, colite ativa e outras doenças metabólicas associadas ao diabetes tipo 2 e obesidade. Estudos futuros devem confirmar tal estimativa.

Conclusão e futuras perspectivas

Está mais que esclarecido a necessidade de manutenção da microbiota intestinal para a conquista da homeostase neuroendócrina, equilíbrio emocional e comportamental. E assim garantir proteção e manutenção da função imunológica da mucosa intestinal influenciando diretamente a absorção de nutrientes, regulação de hormônios e neurotransmissores considerados de grande importância para a saúde mental.

Até o momento, é de conhecimento a existência de compostos prebióticos, probióticos e até simbióticos cuja finalidade seja de fortalecer e enriquecer o microbioma para evitar a série de transtornos desencadeados pela simbiose, mas ainda não é tão comum a aplicação prática como estratégia de prevenção.

Certas áreas que ainda não estão bem elucidadas deixam dúvidas, por exemplo, qual o período de tempo para o surgimento dos efeitos psicobióticos e quanto tempo duram esses efeitos? O cérebro se adapta de alguma maneira aos psicobióticos se ingeridos por longo período? Qual a margem de dosagem mínima e máxima?

Portanto, é necessário destacar a importância de mais pesquisas aprofundadas que possam esclarecer os mecanismos moleculares e físicos da interação microbiota intestinal sobre o sistema nervoso central, sobretudo, envolvendo seres humanos. Além de Estudos clínicos que evidenciem a aplicação dos psicobióticos à população com determinada patologia especificada.

Estudos longitudinais para investigar as mudanças na microbiota ao longo do tempo e sua relação com o desenvolvimento de alterações emocionais podem ser de grande valia para com a comunidade científica podendo impactar e influenciar diretamente os protocolos de tratamento na área da psiquiatria.

Referências

1. Cryan JF, O'Riordan KJ, Cowan CSM, Sandhu KV, Bastiaanssen TFS, Boehme M, Codagnone MG, Cussotto S, Fulling C, Golubeva AV, Guzzetta KE, Jaggar M, Long-Smith CM, Lyte JM, Martin JA, Molinero-Perez A, Moloney G, Morelli E, Morillas E, O'Connor R, Cruz-Pereira JS, Peterson VL, Rea K, Ritz NL, Sherwin E, Spichak S, Teichman EM, van de Wouw M, Ventura-Silva AP, Wallace-Fitzsimons SE, Hyland N, Clarke G, Dinan TG. The microbiota-gut-brain axis. Physiol Rev. 2019;99(4):1877-2013. https://doi.org/10.1152/physrev.00018.2018 PMID:31460832

2. Berding K, Vlckova K, Marx W, Schellekens H, Stanton C, Clarke G, Jacka F, Dinan TG, Cryan JF. ,Diet and the microbiota-gut-brain axis: sowing the seeds of good mental health. Adv Nutr. 2021;12(4):1239-85. https://doi.org/10.1093/advances/nmaa181 PMID:33693453 - PMCID:PMC8321864

3. Bektas A, Erdal H, Ulusoy M, Uzbay IT. Does seratonin in the intestines make you happy? Turk J Gastroenterol. 2020;31(10):721-3. https://doi.org/10.5152/tjg.2020.19554 PMID:33169710 - PMCID:PMC7659911

4. Butler MI, Morkl S, Sandhu KV, Cryan JF, Dinan TG. The gut microbiome and mental health: what should we tell our patients?: Le microbiote intestinal et la santé mentale: que devrions-nous dire à nos patients? Can J Psychiatry. 2019;64(11):747-60. https://doi.org/10.1177/0706743719874168 PMID:31530002 PMCID:PMC6882070

5. Marese ACM, Ficagna EJ, Parizotto RA, Linartevichi VF. Principais mecanismos que correlacionam a microbiota intestinal com a patogênese da depressão. FAG J Health. 2019;1(3):232-9. https://doi.org/10.35984/fjh.v1i2.40

6. Castro ML, Ratto RS, Coelho KV, Bampi SR, Raphaelli CO, Peter NB. A influência da alimentação na microbiota e a relação com distúrbios como ansiedade e depressão. Braz J Dev. 2021;7(7):74087-111. https://doi.org/10.34117/bjdv7n7-542

7. ASantos LC, Welter A. Modulação da microbiota intestinal por probióticos como alternativa para o tratamento da depressão: uma revisão bibliográfica. Singular. 2020;1(1):41-8. https://doi.org/10.33911/singularsb.v1i1.83

8. Christofolett GSF, Paiva NLC, Pinheiro GJ, Ferreira TC. O microbioma intestinal e a interconexão com os neurotransmissores associados a ansiedade e depressão. Braz J Health Rev. 2022;5(1):3385-408. https://doi.org/10.34119/bjhrv5n1-298

9. Jian C, Carpén N, Helve O, de Vos WM, Korpela K, Salonen A. Early-life gut microbiota and its connection to metabolic health in children: perspective on ecological drivers and need for quantitative approach. EBioMedicine. 2021;69:103475. https://doi.org/10.1016/j.ebiom.2021.103475 PMID:34256346 - PMCID:PMC8324810

10. Tonini IGO, Vaz DSS, Mazur CE. Eixo intestino-cérebro: relação entre a microbiota intestinal e desordens mentais. Res Soc Dev. 2020;9(7):e499974303. https://doi.org/10.33448/rsd-v9i7.4303

11. Lassmann L, Pollis M, Zóltowska A, Manfredini D. Gut bless your pain-roles of the gut microbiota, sleep, and melatonin in chronic orofacial pain and depression. Biomedicines. 2022;10(7):1528. https://doi.org/10.3390/biomedicines10071528 PMID:35884835 - PMCID:PMC9313154

12. Silva KCJ, Brito MGJP, Lima AA, Viana MDM. Psicobióticos: alternativas potenciais aos ansiolíticos convencionais? Res Soc Dev. 2021;10(4):e40810414102. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.14102

13. Lach G, Morais LH, Costa APR, Hoeller AA. Envolvimento da flora intestinal na modulação de doenças psiquiátricas. Vittalle. 2017;29(1):64-82. https://doi.org/10.14295/vittalle.v29i1.6413

14. Morkl S, Butler MI, Holl A, Cryan JF, Dinan TG. Probiotics and the microbiota-gut-brain axis: focus on psychiatry. Curr Nutr Rep. 2020;9(3):171-82. https://doi.org/10.1007/s13668-020-00313-5 PMID:32406013 - PMCID:PMC7398953

15. Del Toro-Barbosa M, Hurtado-Romero A, Garcia-Amezquita LE, García-Cayuela T. Psychobiotics: mechanisms of action, evaluation methods and effectiveness in applications with food products. Nutrients. 2020;12(12):3896. https://doi.org/10.3390/nu12123896 PMID:33352789 - PMCID:PMC7767237

16. Barbosa GA, Duarte Neto JMW. Psicobióticos e suas influências nos tratamentos de depressão e ansiedade. Nutrivisa. 2021;8(1):E9633. https://doi.org/10.59171/nutrivisa-2021v8e9633

17. Medeiros CIS, Costa TP. Repercussão da microbiota intestinal na modulação do sistema nervoso central e sua relação com doenças neurológicas. Rev Cienc Med Biol. 2020;19(2):342-6. https://doi.org/10.9771/cmbio.v19i2.29390

18. Bastiaanssen TFS, Cussotto S, Claesson MJ, Clarke G, Dinan TG, Cryan JF. Gutted! Unraveling the role of the microbiome in major depressive disorder. Harv Rev Psychiatry. 2020;28(1):26-39. https://doi.org/10.1097/hrp.0000000000000243 PMID:31913980 - PMCID:PMC7012351

19. Sharma R, Gupta D, Mehrotra R, Mago P. Psychobiotics: the next-generation probiotics for the brain. Curr Microbiol. 2021;78(2):449-63. https://doi.org/10.1007/s00284-020-02289-5 PMID:33394083

20. Cryan JF, Dinan TG. Mind-altering microorganisms: the impact of the gut microbiota on brain and behaviour. Nat Rev Neurosci. 2012;13(10):701-12. https://doi.org/10.1038/nrn3346 PMID:22968153

21. Twardowska A, Makaro A, Binienda A, Fichna J, Salaga M. Preventing bacterial translocation in patients with leaky gut syndrome: nutrition and pharmacological treatment options. Int J Mol Sci. 2022;23(6):3204. https://doi.org/10.3390/ijms23063204 PMID:35328624 - PMCID:PMC8949204

Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2024