Filiação dos autores:
1 [coordenador, residência médica em psiquiatria do Hospital de Caridade Senhor Bom Jesus dos Passos, HCSBJP, Laguna, SC, Brasil]
2 [Especializando, residência médica em psiquiatria do Hospital de Caridade Senhor Bom Jesus dos Passos, HCSBJP, Laguna, SC, Brasil]
3 [Graduando, Medicina, Universidade do Sul de Santa Catarina, UNISUL, Tubarão, SC, Brasil]
4 [Professora, Residência médica,Psiquiatria do Hospital de Caridade Senhor Bom Jesus dos Passos, HCSBJP, Laguna, SC, Brasil]
5 [Professora, Medicina, Universidade do Sul de Santa Catarina, UNISUL, Tubarão, SC, Brasil]
Editor-chefe responsável pelo artigo: Leonardo Baldaçara
Contribuição dos autores segundo a Taxonomia CRediT: Dal-Bó MJ [7], Medeiros LK [13], Dal-Bó BPMA [12], Rezin GT [14], Silva RM [3]
Conflito de interesses: declaram não haver
Fonte de financiamento: declaram não haver
Parecer CEP: Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, Universidade do Sul de Santa Catarina, sob o código 11.067.4.01.III
Recebido em: 23/12/2024 | Aprovado em: 05/02/2025 | Publicado em: 14/04/2025
Como citar: Dal-Bó MJ, Medeiros LK, Dal-Bó BPMA, Rezin GT, Silva RM. Depressão e subtratamento em pessoas com HIV AIDS. Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro. 2025;15:1-19. https://doi.org/10.25118/2763-9037.2025.v15.1398
Introdução: O transtorno depressivo maior (TDM) é uma das condições psiquiátricas mais prevalentes e subdiagnosticadas entre indivíduos vivendo com HIV AIDS. Sua ocorrência é significativamente maior nesse grupo em comparação à população geral, frequentemente associada ao subtratamento levando a prejuízos na quantidade e qualidade de vida dessas pessoas. Objetivo: Avaliar o indicativo de depressão e seu subtratamento em indivíduos com HIV AIDS. Método: Foi realizado um estudo transversal entre 1º de maio e 31 de julho de 2011, com todos os indivíduos atendidos no centro de tratamento de AIDS de uma cidade no sul de Santa Catarina. Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos sob o código 11.067.4.01.III O Inventário de Depressão de Beck foi utilizado para detectar indicativo de depressão, e os prontuários foram consultados para verificar os fármacos em uso e avaliar o possível subtratamento Resultados: A prevalência de indicativo de depressão entre os participantes do referido estudo foi de 53,7%. Destes, 57,8% não usavam medicações psiquiátricas. Especificamente, 79% não utilizavam antidepressivos, 75% não usavam benzodiazepínicos, 94% não faziam uso de estabilizadores de humor e 98% não utilizavam antipsicóticos. Apenas 2,7% usavam outras medicações psiquiátricas e/ou combinações medicamentosas. Discussão: Embora a prevalência de depressão tenha sido significativa, observou-se um índice elevado de subtratamento, e houve um importante percentual de indivíduos não recebendo intervenções adequadas. Conclusão: O subtratamento da depressão nos indivíduos com HIV AIDS indica a necessidade de ações para aprimorar a capacidade diagnóstica e de intervenções psiquiátricas nesta população. A ampliação de estratégias de saúde mental pode contribuir para o manejo integral e eficaz, além de melhorar a qualidade de vida desses pacientes.
Palavras-chave: depressão, HIV, saúde mental, uso de medicamentos, AIDS.
Introduction: Major depressive disorder (MDD) is one of the most prevalent and underdiagnosed psychiatric conditions among individuals living with HIV AIDS. Its occurrence is significantly higher in this group compared to the general population, often associated with undertreatment leading to impairments in the quantity and quality of life of these individuals. Objective: To evaluate the indication of depression and its undertreatment in individuals with HIV AIDS. Method: A cross-sectional study was conducted between May 1 and July 31, 2011, with all individuals treated at the AIDS treatment center in a city in southern Santa Catarina. The Beck Depression Inventory was used to detect indications of depression, and medical records were consulted to verify the medications in use and to assess possible undertreatment. Results: The prevalence of indications of depression among the participants in the aforementioned study was 53.7%. Of these, 57.8% did not use psychiatric medications. Specifically, 79% did not use antidepressants, 75% did not use benzodiazepines, 94% did not use mood stabilizers, and 98% did not use antipsychotics. Only 2.7% used other psychiatric medications and/or drug combinations. Discussion: Although the prevalence of depression was significant, a high rate of undertreatment was observed, and there was a significant percentage of individuals not receiving adequate interventions. Conclusion: The undertreatment of depression in individuals with HIV AIDS indicates the need for actions to improve diagnostic capacity and psychiatric interventions in this population. Expanding mental health strategies can contribute to comprehensive and effective management, in addition to improving the quality of life of these patients.
Keywords: depression, HIV, mental health, medication use, SIDA.
Introducción: El trastorno depresivo mayor (TDM) es una de las afecciones psiquiátricas más prevalentes e infradiagnosticadas entre las personas que viven con VIH/SIDA. Su aparición es significativamente mayor en este grupo en comparación con la población general, a menudo asociada con un tratamiento insuficiente que conduce a pérdidas en la cantidad y calidad de vida de estas personas. Objetivo: Evaluar los signos de depresión y su subtratamiento en personas con VIH/SIDA. Método: Se realizó un estudio transversal entre el 1 de mayo y el 31 de julio de 2011, con todos los individuos atendidos en el centro de tratamiento de SIDA de una ciudad del sur de Santa Catarina. Se utilizó el Inventario de Depresión de Beck para detectar signos de depresión y se consultó la historia clínica para verificar los medicamentos en uso y evaluar posibles subtratamiento. Resultados: La prevalencia de signos de depresión entre los participantes del estudio fue del 53,7%. De ellos, el 57,8% no utilizaba medicamentos psiquiátricos. En concreto, el 79% no utilizaba antidepresivos, el 75% no utilizaba benzodiazepinas, el 94% no utilizaba estabilizadores del estado de ánimo y el 98% no utilizaba antipsicóticos. Sólo el 2,7% utilizó otros medicamentos psiquiátricos y/o combinaciones de fármacos. Discusión: Aunque la prevalencia de depresión fue significativa, se observó una alta tasa de subtratamiento y hubo un porcentaje significativo de individuos que no recibieron intervenciones adecuadas. Conclusión: El subtratamiento de la depresión en individuos con VIH/SIDA indica la necesidad de acciones para mejorar la capacidad diagnóstica y las intervenciones psiquiátricas en esta población. La ampliación de las estrategias de salud mental puede contribuir a un manejo integral y eficaz, además de mejorar la calidad de vida de estos pacientes.
Palabras clave: depresión, VIH, salud mental, uso de medicamentos, AIDS.
O transtorno depressivo maior (TDM) apresenta prevalência significativa na população geral, sendo estimada em 15% nas mulheres, e 6,1% nos homens .
Há estudos epidemiológicos sobre depressão em comorbidade que mostram prevalência com índices de 20 a 30% após infarto agudo do miocárdio , e 3-31% em indivíduos com câncer . Contudo, este transtorno continua sendo subtratado, mesmo havendo evidências das consequências danosas desta prática, tanto na população geral quanto em associação com outras doenças .
Pesquisas sobre a prevalência de depressão em indivíduos vivendo com HIV AIDS demonstraram que cerca de 20 a 40% dessas pessoas apresentam sintomas depressivos. Estudos sugerem que a ocorrência desses sintomas pode estar associada às variáveis como localização geográfica, gênero, instrumentos de avaliação utilizados, consumo de álcool, tabagismo, estado civil, presença de comorbidades, situação financeira e nível educacional . No entanto, os dados analisados neste estudo trazem uma perspectiva diferente sobre essas relações. Aqui, somente a comorbidade mostrou-se significativa, aumentando a prevalência desses sintomas nos indivíduos com HIV AIDS.
A avaliação de depressão, neste grupo específico de pacientes, deve ser feita com cuidado levando-se em consideração alguns fatores como os estágios da infecção, já que há sintomas físicos nesta condição clínica, que são debilitantes e podem ser confundidos com sintomas depressivos . Outro fator que merece atenção é o fato de que alguns antirretrovirais podem causar, como efeitos adversos, manifestações semelhantes às encontradas nos quadros depressivos. A demência associada ao HIV é outro fator que pode causar confusão diagnóstica, pois os sintomas organomentais podem mimetizar sintomas depressivos, e o diagnóstico diferencial cuidadoso deverá ser realizado .
Não deve ser esquecido que, frente a algumas condições como patologias graves ou lutos, qualquer indivíduo pode fazer reações adaptativas com leves alterações nas emoções, comportamento e pensamento. Esta condição é chamada de transtorno de ajustamento, e a prevalência deste transtorno entre indivíduos HIV-positivos varia de 3,8 a 67,6% .
Estas considerações são importantes porque, além da atenção que o subtratamento com o possível subdiagnóstico deve ter, deve também ser considerada a possibilidade de hiperdiagnóstico, preocupação que começa a ocorrer dentro da psiquiatria .
Não há dúvidas de que o adequado tratamento de pessoas que vivem com HIV AIDS com o uso correto dos antirretrovirais, transformou o prognóstico desta infecção . O acompanhamento destes indivíduos demonstra melhora inequívoca na quantidade e na qualidade de vida após o advento da terapia antirretroviral (TARV) . Contudo, apesar da alta prevalência de Transtorno depressivo nestes indivíduos, e de haver evidências da Depressão estar associada à não adesão a antirretrovirais, é significativa a prevalência de subtratamento deste Transtorno psiquiátrico nos indivíduos com HIV AIDS .
Diversos fatores que podem justificar o subtratamento da depressão nesta condição clínica foram identificados na literatura. Entre eles, destacam-se o subdiagnóstico da depressão, a falta de capacitação de médicos clínicos quanto ao diagnóstico e manejo do transtorno, o temor quanto às interações medicamentosas entre antirretrovirais e antidepressivos, e os efeitos adversos associados ao uso de psicofármacos .
Desta forma, este estudo teve como objetivo avaliar a prevalência de depressão e seu subtratamento em pessoas que vivem com HIV AIDS.
Os dados utilizados neste estudo foram obtidos a partir de uma dissertação de mestrado conduzida na Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), previamente aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos sob o código 11.067.4.01.III . Tratou-se de um estudo transversal realizado entre os meses de março e maio de 2011 em um serviço de referência para atendimento de pessoas que viviam com HIV AIDS em uma cidade do sul do Brasil.
No referido estudo, a opção por um período de 3 meses deveu-se ao acompanhamento trimestral dos pacientes no serviço, com reavaliações através de exames de taxas de carga viral e CD4+. Incluiu-se todas as pessoas acima de 18 anos que viviam com HIV AIDS e cadastradas no serviço de referência, e foram excluídos os indivíduos que apresentavam indicativos do diagnóstico de demência e os que não concordaram em participar por assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.
Para detecção de indicativo de demência foi aplicado o MiniMental State Examination . Foi utilizado um questionário para detecção do uso abusivo de álcool ou drogas , e para a avaliação de indicativo de depressão foi utilizado o Inventário de Depressão de Beck (BDI) .
Para a coleta de informações a respeito do tratamento de depressão, a dissertação de mestrado consultou os prontuários destes pacientes onde estava relatado o uso de outras medicações não relacionadas à condição de ser portador de HIV AIDS. A opção por consulta aos prontuários ocorreu pela observação que vários indivíduos avaliados não sabiam descrever as medicações que estavam usando. As informações a respeito do tratamento da depressão foram coletadas no dia da aplicação do BDI.
Na ficha de inclusão, foram observadas variáveis demográficas como, idade, etnia, sexo, estado civil, renda familiar e grau de instrução.
Os resultados foram sumarizados como números absolutos e percentuais, médias e desvio-padrão, e as variáveis independentes foram comparadas entre os indivíduos deprimidos e não deprimidos através do teste de qui quadrado, em um nível de significância de 5%.
No período avaliado, compareceram para exames de CD4+ e carga viral, 249 indivíduos, dos quais 212 aceitaram participar da pesquisa. Destes, foram excluídos nove indivíduos por apresentarem indicativo de demência, perfazendo 4,2% de perdas [Figura 1].
Figure 1. Illustrates the PRISMA flow diagram
Dos indivíduos avaliados, 109 (53,7%) eram do sexo masculino e 167 (82,3%) eram caucasianos.
Quanto à idade dos indivíduos avaliados, foi observado que a idade mínima era de 18 anos, a máxima de 74 anos, e a média de idade de 42,4 (DP±11,1) anos, sendo 109 (53,7%) do sexo masculino e 167 (82,3%) caucasianos.
Com relação ao estado civil, 66 (32,5%) eram casados, 12 (5,9%) eram divorciados, 8 (3,9%) se declararam separados, 99 (48,8%) eram solteiros, e 17 (8,4%) eram viúvos. O estado civil não foi informado por um (0,5%) indivíduo.
No que se refere à renda familiar, 31 (15,2%) relataram renda menor que um salário mínimo, 135 (66,5%) entre um a três salários, e 30 (14,8%) renda maior que três salários mínimos.
No que se refere ao grau de instrução, a maioria dos indivíduos (32,5%) tinha o primeiro grau incompleto.
No que se refere à avaliação de indicativo de depressão pelo BDI, 109 (53,7%) indivíduos foram classificados como tendo indicativo de depressão, e 94 (46,3%) sem indicativo de depressão. Quanto à pontuação do BDI, verificou-se que a pontuação mínima foi de zero, a máxima foi de 52, e a pontuação média foi de 16,6 (DP±14) pontos. A distribuição dos participantes de acordo com a conclusão final do BDI encontra-se demonstrada no Quadro 1.
Quando foi avaliado o uso de medicação psiquiátrica por parte dos indivíduos, observou-se que 146 (71,9%) não faziam uso.
O Quadro 2 demonstra a distribuição das variáveis de acordo com a presença ou ausência de indicativo de depressão.
Neste estudo, foi observado que 57,8% dos indivíduos com indicativo para depressão não faziam uso de nenhuma medicação psiquiátrica.
Ao se estudar o uso de antidepressivos, individualmente, 78% dos indivíduos com indicativo para depressão não os usavam. No que se refere ao uso de benzodiazepínicos, individualmente, 75% não os usavam. Quanto a estabilizadores de humor e antipsicóticos, 98% e 94% respectivamente, não usavam estas medicações.
Os Quadros 3, 4 e 5 mostram a distribuição do uso de medicações psiquiátricas em indivíduos deprimidos e não deprimidos.
A distribuição dos participantes de acordo com as medicações psiquiátricas utilizadas e a presença ou não de depressão, encontra-se demonstrada no Quadro 4.
A distribuição dos participantes de acordo com as medicações psiquiátricas individualmente utilizadas e a presença ou não de depressão, encontra-se demonstrada no Quadro 5.
Neste trabalho, os resultados demonstraram uma prevalência de 53,7% de indivíduos com indicativo de depressão na população estudada, o que sugere a ideia de que a depressão é frequente em pessoas que vivem com HIV AIDS, especialmente ao ser comparado com a população em geral, com prevalência estimada em 15% nas mulheres e 6,1% nos homens .
Tal fato vai ao encontro da literatura, como Mello e Malbergier em seu estudo com mulheres com HIV AIDS, obtendo 60% de prevalência ao longo da vida .
Se for observada a prevalência de depressão em indivíduos com outras patologias clínicas e a compararmos com a prevalência em indivíduos que convivem com HIV AIDS, veremos que a prevalência de depressão nesta última condição é significativamente maior.
Anderson et al. observaram que a prevalência de depressão em diabéticos é de 11%. Rivera et al. relataram uma prevalência de 21,5% em indivíduos com insuficiência cardíaca. Já Bottino, Fráguas e Gattaz constataram que a prevalência de depressão em indivíduos com câncer varia entre 22% e 29%. Mais uma vez, fica evidente que a investigação diagnóstica de depressão nos indivíduos com HIV AIDS, não deve ser negligenciada.
No que se refere a fatores que predizem adesão ao tratamento com antirretrovirais, Wolff, Alvarado e Wolff mostram que a depressão é fator de não adesão a esses medicamentos, e que o tratamento com antidepressivos mostrou melhora na adesão aos antirretrovirais, fato que promoveu o aumento de linfócitos TCD4+ .
Quando há diagnóstico de transtorno depressivo, este deve ser tratado, incluindo aqui a recomendação de tratamento de quadros depressivos em pessoas que vivem com HIV AIDS, ao menos com psicofármacos . No presente estudo, foi observado que 57,8% dos indivíduos positivos para depressão não faziam uso de medicação psiquiátrica.
Neste estudo não foi observada associação entre etnia, estado civil, renda familiar, grau de instrução e a presença de indicativo de depressão. De forma semelhante, estudos realizados por Vorcaro, Uchoa e Lima-Costa , na população geral, e por Malbergier e Andrade , em pessoas vivendo com HIV AIDS, também não identificaram relação entre essas variáveis e a depressão.
Em estudos epidemiológicos realizados em dependentes químicos na população geral, observam-se taxas de prevalência significativas de outras patologias psiquiátricas . Neste trabalho não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas de depressão nos indivíduos com indicativo de uso de substâncias quando comparados com os não usuários. O achado deste trabalho, talvez indique que os indivíduos, ao se verem infectados, interrompam o uso de substâncias. A diminuição do uso de cocaína nos indivíduos após diagnóstico de HIV AIDS é descrita na literatura .
Neste trabalho, quando foi avaliado o uso de antidepressivos, individualmente, observou-se que 78% dos indivíduos com indicativo positivo para depressão não usavam estes fármacos. Na literatura está bem estabelecido que há indicação de uso de antidepressivos, se há presença de depressão .
Ao ser estudado o uso de benzodiazepínicos, individualmente, observou-se que 75% dos indivíduos com indicativo de depressão não os usavam e, também está estabelecido na literatura especializada, que em quadros de depressão leve estes medicamentos podem ser usados .
Quanto ao uso de estabilizadores do humor e antipsicóticos, quando foram estudados seus usos individualmente, observou-se que, respectivamente, 98% e 94% dos indivíduos com indicativo para depressão não os usavam. Na literatura, há referência que o uso destes fármacos podem estar indicados em casos de depressão bipolar com o uso de estabilizadores do humor e de depressão com sintomas psicóticos com o uso de antipsicóticos .
É importante salientar que neste estudo, ao ser usado o Inventário para depressão de Beck, há algumas limitações inerentes ao uso dessa ferramenta.
O autor do inventário informa que ele foi criado para diagnosticar depressão em sua intensidade e não em categoria nosológica. Originalmente foi também criada para ser aplicada em populações psiquiátricas específicas embora seja usada, amplamente, na população geral e de forma útil.
Por fim, o autor do BDI nos informa um índice de fidedignidade de seu instrumento em seis amostras do estudo original variando entre 0,79 a 0,90 o que dá confiabilidade em seu uso . Esta condição fez com que, neste estudo, tenha-se optado por usar o termo indicativo de depressão.
Observou-se que, alguns indivíduos deste estudo não apresentavam indicativo para depressão mas usavam antidepressivos e/ou outras medicações psiquiátricas. Esta condição pode gerar erro no indicativo de prevalência de depressão já que, uma vez tratados e com resposta terapêutica positiva, os indivíduos não positivarão para depressão no BDI.
Verifica-se, assim, que a literatura é convergente com o estudo aqui avaliado, conforme é possível verificar em estudos multicêntricos, que apontam que apenas 59% dos pacientes com diagnóstico triplo de transtorno mental, uso de substâncias e HIV receberam algum tipo de tratamento de saúde mental nos últimos três meses.
Ademais, a literatura ressalta que apenas 45% dos casos de transtorno depressivo maior (TDM) em pacientes com HIV são clinicamente reconhecidos, com taxas ainda menores de tratamento adequado e remissão, evidenciando a necessidade de intervenções mais efetivas e abrangentes .
É possível observar que uma ampla gama de ações deveriam ser feitas no sentido de melhorar o atendimento das pessoas que vivem com HIV AIDS.
Fatores como a significativa prevalência de depressão nestes indivíduos, o possível subtratamento deste transtorno com suas graves consequências indicam que, na estratégia de atendimento aos indivíduos infectados, um profissional de saúde mental deveria ser inserido. Se esta condição não for possível, deveria ser assegurado fácil acesso aos profissionais de saúde mental. É bastante significativo o achado do indicativo de subuso de psicofármacos, principalmente antidepressivos, observado neste trabalho. Como observou-se em dois estudos aqui citados, os clínicos temem o uso de psicofármacos, entre outros motivos, em função dos seus efeitos adversos e de possíveis interações medicamentosas entre os psicofármacos e os antirretrovirais. Os achados deste trabalho evidenciam a importância da interface entre a psiquiatria e a clínica médica, reforçando a necessidade de maior atenção à formação psiquiátrica nos currículos das escolas de medicina. Dessa forma, busca-se evitar que aspectos psiquiátricos e psicológicos sejam negligenciados na prática médica.
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