Filiação dos autores:
[Graduanda, Medicina, Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, FCMMG, Belo Horizonte, MG, Brasil]
2, 3 [Professores, Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, FCMMG, Belo Horizonte, MG, Brasil]
Editor-chefe responsável pelo artigo: Alexandre Martins Valença
Contribuição dos autores segundo a Taxonomia CRediT: Petrini MC [1,6,12,13,14], Andrade BV [13,14], Magno LAV [14]
Conflito de interesses: declaram não haver.
Fonte de financiamento: não se aplica.
Parecer CEP: não se aplica.
Recebido em: 11/06/2025 | Aprovado em: 28/09/2025 | Publicado em: 15/10/2025
Declaração de IA generativa: Durante a preparação deste trabalho, o(s) autor(es) usaram ChatGPT (OpenAI) para apoio na tradução para o inglês e o espanhol e para correções de linguagem. Depois de usar esta ferramenta, o(s) autor(es) revisaram e editaram o conteúdo conforme necessário e assumiram total responsabilidade pelo conteúdo da publicação.
Como citar: Petrini MC, Andrade BV, Magno LAV. Consequências da síndrome de burnout entre médicos: revisão narrativa. Debates Psiquiatr. https://doi.org/10.25118/2763-9037.2025.v15.1474
Introdução: Síndrome de burnout (SB) é um fenômeno ocupacional prevalente entre médicos, caracterizado por exaustão emocional, sensação de ineficácia e despersonalização, com repercussões físicas e emocionais relevantes. Objetivos: Analisar as consequências da síndrome de burnout na vida pessoal e profissional de médicos, identificando também fatores associados e estratégias de enfrentamento relatadas na literatura. Métodos: Realizou-se uma revisão narrativa da literatura utilizando os descritores “burnout”, “médicos” e “esgotamento profissional”. Resultados: Foram selecionados 32 artigos publicados entre 2015 e 2025, complementados por referências clássicas do tema. Discussão: Os estudos evidenciam que a síndrome de burnout é altamente prevalente entre médicos e afeta negativamente a vida pessoal, comprometendo o bem-estar emocional, as relações familiares e sociais. No âmbito profissional, associa-se ao maior risco de erros médicos, diminuição da qualidade do cuidado, ao absenteísmo e à maior intenção de abandono da carreira, com impacto econômico para os sistemas de saúde devido à rotatividade de profissionais. Entre os fatores associados, destacam-se sobrecarga de trabalho, más condições institucionais, violência laboral e desigualdade de gênero. Estratégias de enfrentamento descritas incluem suporte psicológico, intervenções institucionais e o uso de ferramentas digitais, embora medidas individuais isoladas mostrem baixa efetividade. Conclusão: A síndrome de burnout em médicos compromete a saúde pessoal, a qualidade da assistência e a eficiência institucional. Sua prevenção exige não apenas ações individuais, mas também medidas estruturais e institucionais de promoção do bem-estar.
Palavras-chave: esgotamento profissional, médicos, saúde mental, saúde ocupacional, síndrome burnout.
Introduction: Burnout syndrome is a prevalent occupational phenomenon among physicians, characterized by emotional exhaustion, feelings of inefficacy, and depersonalization, with significant physical and psychological repercussions. Objective: To analyze the consequences of burnout syndrome on physicians’ personal and professional lives, while also identifying associated factors and coping strategies reported in the literature. Methods: A narrative literature review was conducted using the descriptors “burnout,” “Physicians,” and “Occupational Stress.” Results: A total of 32 articles published between 2015 and 2025 were selected, complemented by seminal references in the field. Discussion: Evidence indicates that burnout syndrome is highly prevalent among physicians and negatively impacts personal life, compromising emotional well-being, family dynamics, and social relationships. Professionally, it is associated with increased risk of medical errors, reduced quality of care, absenteeism, and higher intention to leave the profession, with economic implications for healthcare systems due to staff turnover. Contributing factors include work overload, adverse institutional conditions, workplace violence, and gender inequality. Coping strategies described in the literature include psychological support, institutional interventions, and digital tools, although isolated individual measures show limited effectiveness. Conclusion: Burnout syndrome among physicians compromises personal health, quality of care, and institutional efficiency. Prevention requires not only individual-level initiatives but also structural and organizational measures to promote physician well-being.
Keywords: burnout syndrome, physicians, mental health, occupational health.
Introducción: El síndrome de burnout (SB) es un fenómeno ocupacional prevalente entre médicos, caracterizado por agotamiento emocional, sensación de ineficacia y despersonalización, con repercusiones físicas y psicológicas significativas. Objetivo: Analizar las consecuencias del síndrome de burnout en la vida personal y profesional de los médicos, identificando además factores asociados y estrategias de afrontamiento descritas en la literatura. Métodos: Se realizó una revisión narrativa de la literatura utilizando los descriptores “burnout”, “Médicos” y “Agotamiento Profesional”. Resultados: Se seleccionaron 32 artículos publicados entre 2015 y 2025, complementados con referencias clásicas sobre el tema. Discusión: La evidencia muestra que el síndrome de burnout es altamente prevalente entre médicos y afecta negativamente la vida personal, comprometiendo el bienestar emocional, las relaciones familiares y sociales. En el ámbito profesional, se asocia a mayor riesgo de errores médicos, reducción de la calidad del cuidado, ausentismo e intención de abandonar la carrera, con repercusiones económicas para los sistemas de salud debido a la rotación de profesionales. Entre los factores asociados destacan la sobrecarga de trabajo, condiciones institucionales adversas, violencia laboral y desigualdad de género. Las estrategias de afrontamiento descritas incluyen apoyo psicológico, intervenciones institucionales y herramientas digitales, aunque las medidas individuales aisladas muestran efectividad limitada. Conclusión: El síndrome de burnout en médicos compromete la salud personal, la calidad asistencial y la eficiencia institucional. Su prevención requiere no solo acciones individuales, sino también medidas estructurales e institucionales que promuevan el bienestar profesional.
Palabras clave: agotamiento profesional, médicos, salud mental, salud laboral, síndrome de burnout.
A síndrome de burnout (SB), inicialmente descrita por Freudenberger na década de 1970 e posteriormente caracterizada por Maslach como um estado de exaustão emocional, despersonalização e redução da realização pessoal, é reconhecida como um fenômeno ocupacional crítico entre médicos, decorrente de estressores crônicos emocionais e interpessoais no ambiente laboral . Formalmente incluída na Classificação Internacional de Doenças (CID-11) como um problema relacionado ao trabalho , a SB evoluiu de um conceito clínico inicial para uma condição de relevância global, com prevalência estimada em pelo menos 50% dos médicos ao longo de suas carreiras . Notavelmente, a gênese da síndrome de burnout frequentemente se manifesta já na formação médica, com estudos indicando alta prevalência entre estudantes de medicina, o que aponta a cultura acadêmica e as exigências da graduação como fatores de risco precoces e determinantes .
Esta condição tem como característica a exaustão emocional, a despersonalização e uma sensação de ineficácia pessoal . Esse quadro afeta profundamente a saúde mental dos profissionais da saúde, podendo comprometer tanto sua atuação perante os pacientes quanto sua qualidade de vida fora do ambiente laboral . Para além dessas dimensões, as manifestações cognitivas da síndrome de burnout, como prejuízos em atenção, memória e funções executivas, são críticas na atividade médica, podendo interferir diretamente na tomada de decisões clínicas e na segurança do paciente .
Embora o tema tenha ganhado crescente atenção, persistem incertezas sobre aspectos fundamentais relacionados à saúde mental de médicos, bem como sobre quais intervenções devem ser priorizadas. Nesta revisão, sintetizamos as evidências sobre: (1) as principais consequências da SB na vida pessoal e profissional dos médicos, incluindo efeitos na qualidade da assistência; (2) fatores associados; e (3) estratégias baseadas em evidências para prevenção e manejo, priorizando intervenções institucionais que promovam o bem-estar médico.
Trata-se de uma revisão narrativa sobre a relação entre a prática médica e a síndrome de burnout, com foco nos impactos na vida pessoal e profissional dos médicos. Optou-se pelo desenho narrativo devido à necessidade de uma análise ampla e integrativa, capaz de contextualizar fatores multifatoriais e discutir implicações clínicas e institucionais, abordagem adequada a temas complexos em psiquiatria.
A pesquisa foi conduzida nas bases PubMed e SciELO, utilizando descritores em Ciências da Saúde (DeCS): “burnout”, “médicos” e “esgotamento profissional”, em português e inglês, combinados com operadores booleanos (AND/OR). A busca foi finalizada em setembro de 2025 e abrangeu publicações entre 2015 e 2025 que abordassem consequências, fatores associados e intervenções para a síndrome de burnout em médicos. Estudos clássicos citados em diretrizes relevantes foram incluídos mesmo fora do recorte temporal, a fim de fundamentar conceitos essenciais.
Foram incluídos artigos em português ou inglês, publicados no período estipulado, com preferência por estudos longitudinais e revisões sistemáticas com metanálises. Quando artigos apresentavam objetivos semelhantes, a seleção priorizou aqueles que atendiam a critérios de qualidade metodológica, publicados em revistas com fator de impacto superior a 2,0, segundo o Journal Citation Reports, com amostras robustas e alto número de citações, refletindo relevância e influência científica na área até 14 de setembro de 2025. Foram excluídos artigos que abordassem outros profissionais de saúde ou que não focassem especificamente na síndrome de burnout. Após a triagem inicial, 32 artigos foram selecionados.
A seleção envolveu a leitura de títulos e resumos para verificar a pertinência ao tema, seguida de análise completa dos artigos selecionados. A avaliação crítica priorizou as repercussões da síndrome de burnout na vida pessoal, social e profissional dos médicos, bem como seus efeitos sobre a segurança do paciente. Orientações de entidades como a American Psychiatric Association e a Associação Brasileira de Psiquiatria foram consultadas para embasar recomendações. A síntese narrativa integrou os achados de forma temática, reconhecendo a heterogeneidade metodológica dos estudos e o potencial viés de seleção inerente ao desenho narrativo.
A análise da literatura revelou um crescimento exponencial no interesse acadêmico pelo tema da SB entre médicos, refletido no aumento significativo de publicações indexadas no PubMed com os termos "burnout" e "physicians". De acordo com dados recentes, o número de artigos passou de 175 em 2015 para um pico de 649 em 2021. Até setembro de 2025 já haviam sido publicados 455 artigos no ano, um volume que destaca a relevância atual do problema em escala global [Figura 1].
Essa expansão abrange artigos com grande diversidade de designs metodológicos que exploram variáveis cada vez mais amplas, como fatores de risco organizacionais, impactos cognitivos, comorbidades psiquiátricas e intervenções preventivas. Essa heterogeneidade enriquece a compreensão do fenômeno nessa revisão narrativa, permitindo uma síntese que integra evidências quantitativas e qualitativas para elucidar as implicações multifacetadas da síndrome de burnout entre médicos.
Os estudos incluídos nesta revisão estão sintetizados no Quadro 1. A maioria dos estudos sobre a síndrome de burnout em médicos apresenta delineamento transversal e utiliza instrumentos autorrelatados, como questionários padronizados. Ensaios clínicos randomizados (ECR) testando intervenções específicas para síndrome de burnout em médicos ainda são relativamente escassos. Observa-se um crescimento no número de revisões sistemáticas que tem sido fundamentais para sintetizar as evidências e orientar futuras pesquisas. De maneira geral, os estudos demonstram que a síndrome de burnout entre médicos é um fenômeno multifatorial com impactos relevantes tanto nos profissionais quanto nos pacientes. Os principais achados da literatura foram consolidados no Quadro 2, que organiza as principais associações observadas entre variáveis organizacionais e individuais relacionadas à SB, bem como suas consequências e estratégias de enfrentamento descritas nos estudos disponíveis.
As principais consequências da síndrome de burnout em médicos estão relacionadas a repercussões tanto físicas quanto emocionais. A literatura científica aponta para uma correlação positiva significativa entre a SB e depressão, embora haja debates sobre se representam construtos sobrepostos ou distintos. síndrome de burnout e depressão compartilham manifestações clínicas centrais, como exaustão intensa, anedonia, e prejuízos cognitivos. A principal controvérsia reside em determinar se o burnout deve ser compreendido como um precursor da depressão, um subtipo desta ou, alternativamente, uma entidade nosológica independente, caracterizada por sua relação intrínseca com o contexto ocupacional.
Uma revisão sistemática e metanálise indicou que não há sobreposição conclusiva entre SB e depressão ou ansiedade, sugerindo que são entidades robustas e independentes, mas com associações fortes em contextos ocupacionais . Se por um lado estudos sugerem que a síndrome de burnout e a depressão compartilham uma relação bidirecional que pode intensificar os riscos à saúde mental dos médicos, com o esgotamento profissional crônico potencialmente precipitando episódios depressivos mais graves, especialmente em profissionais com resiliência reduzida, por outro, evidências indicam que a depressão pode ser o fator primário na ideação suicida.
Por exemplo, uma revisão bibliográfica relatou que médicos, especialmente mulheres, são um grupo de risco para suicídio . Entretanto, um estudo transversal com 1.354 médicos dos EUA revelou que, embora a síndrome de burnout esteja inicialmente associado a um aumento de ideação suicida, essa associação desaparece após ajuste para depressão, sugerindo que a depressão, e não a SB, é o fator diretamente ligado à ideação suicida .
Diferenciar síndrome de burnout e depressão na prática clínica é desafiador, mas essencial: enquanto a depressão permeia todos os aspectos da vida do indivíduo, a SB tende a ter seu foco principal nas vivências relacionadas ao trabalho, embora suas consequências se espalhem para a vida pessoal.
Além dos impactos emocionais, a síndrome de burnout apresenta consequências individuais amplas, incluindo maior risco de doenças psicossomáticas, como distúrbios cardiovasculares, alterações gastrointestinais e comprometimento do sono .
No plano profissional, a síndrome de burnout associa-se de forma consistente a comportamentos disfuncionais, como absenteísmo, redução da produtividade, insatisfação com a carreira e intenção de abandonar a profissão . Essas repercussões ultrapassam o ambiente laboral, estendendo-se à vida social e familiar, onde o distanciamento emocional, conflitos conjugais e dificuldades de interação interpessoal são frequentemente relatados . Dessa forma, a síndrome de burnout não apenas compromete a satisfação profissional, mas também prejudica a qualidade de vida dos profissionais fora do ambiente de trabalho.
As consequências da síndrome de burnout nos médicos são ainda mais extensas, impactando não apenas os profissionais afetados, mas também a segurança dos pacientes. Evidências indicam que médicos com SB estão mais propensos a cometer erros médicos e fornecer cuidados abaixo dos padrões recomendados, comprometendo diretamente a qualidade da assistência à população . A diminuição da qualidade do cuidado com o paciente e a redução da produtividade podendo levar a maiores gastos evitáveis no sistema de saúde . A subnotificação dos sintomas e a relutância em buscar apoio psicológico agravam o problema, perpetuando seus efeitos .
Os achados apresentados derivam majoritariamente de estudos transversais. Portanto, devem ser interpretados com cautela, não implicando necessariamente uma relação de risco ou causalidade. Conforme detalhado no Quadro 2, os fatores associados à presença da síndrome de burnout em médicos são predominantemente relacionados ao seu ambiente de trabalho. O ambiente hospitalar, muitas vezes correlacionado à falta de recursos, jornadas de trabalho extensas e o contato prolongado com pacientes graves, contribui significativamente para o desgaste dos profissionais de saúde. A exigência elevada de produtividade, pressão por lucro das instituições, excesso de trabalho administrativo e perda de autonomia clínica estão associados com um ambiente de trabalho estressante . Esses fatores, mais do que características individuais, explicam grande parte do aumento de exaustão, despersonalização e intenção de abandono da prática observados nas últimas coortes de médicos .
A violência verbal e física no ambiente de trabalho compromete a prática médica. Uma metanálise aponta que cerca de 69% dos médicos enfrentam algum tipo de violência no trabalho . Médicos que sofrem violência psicológica no ambiente de trabalho apresentam maior prevalência de síndrome de burnout . A hostilidade no ambiente hospitalar e o assédio físico e/ou moral também se destacam como elementos que exacerbam o sofrimento psíquico dos profissionais de saúde, aumentando a ocorrência da síndrome de burnout .
Estudos recentes demonstram de forma consistente que a prevalência da síndrome de burnout é maior entre médicas do que entre médicos . A discrepância observada pode decorrer de fatores biológicos, mas as evidências apontam fortemente para a influência de ambientes organizacionais. Entre os fatores mais citados estão a dupla jornada, que combina responsabilidades profissionais e domésticas, a maior exposição a situações de assédio, a sub-representação em cargos de liderança e as persistentes desigualdades salariais . Evidências sugerem ainda que as barreiras à progressão na carreira reforçam a percepção de injustiça organizacional, contribuindo para níveis mais elevados de esgotamento e menor realização profissionais entre mulheres médicas.
O acometimento da síndrome de burnout não é uniforme entre as especialidades médicas. Isso sugere que especificidades da natureza da prática e do ambiente de trabalho aumentam a suscetibilidade para o esgotamento emocional. Médicos de áreas de alta pressão assistencial, como Medicina de Emergência, Cuidados Intensivos e Oncologia, apresentam exposição contínua à morte, ao sofrimento humano e à necessidade de tomada de decisão rápida sob risco elevado . Nas especialidades cirúrgicas, fatores como ritmo de trabalho intenso, longas jornadas, e a cultura de perfeccionismo se associam a taxas elevadas de exaustão e despersonalização . Embora especialidades predominantemente ambulatoriais possam oferecer maior autonomia e continuidade do cuidado, também são impactadas pela pressão por produtividade, burocratização crescente e restrições impostas por sistemas de saúde centrados em métricas econômicas . A Psiquiatria merece atenção particular, pois os profissionais lidam diariamente com narrativas traumáticas, alto risco de violência ocupacional e frustração diante de barreiras sistêmicas ao cuidado de pacientes com transtornos mentais graves. Além disso, enfrentam o estigma persistente dentro da própria profissão médica, o que agrava o risco de sofrimento emocional. Em uma pesquisa nacional conduzida na China, psiquiatras relataram taxas elevadas de síndrome de burnout, correlacionadas a longas horas de trabalho, baixa remuneração e insatisfação com o ambiente laboral . Esses achados reforçam que a síndrome de burnout em médicos é multifatorial e depende não apenas de condições estruturais, mas também da identidade e das demandas específicas de cada especialidade.
Diferentes estratégias de intervenção têm sido estudadas para reduzir o impacto da síndrome de burnout e promover o bem-estar entre médicos. Ensaios clínicos randomizados (ECRs) que testam intervenções específicas para médicos ainda são relativamente escassos. Quando disponíveis, esses estudos apresentam limitações metodológicas importantes, incluindo tamanhos de amostra pequenos, heterogeneidade nas intervenções aplicadas e nos desfechos avaliados, além de seguimento relativamente curto. Programas de suporte psicológico, treinamentos de resiliência, coaching individual, intervenções focadas na adaptação a experiências desafiadoras e melhorias nas condições de trabalho são algumas das abordagens que demonstraram efeito positivo, ainda que modesto, como descritos em uma revisão sistemática e metanálise .
A partir da revisão de 38 ECRs, dos quais 31 (81,6%) utilizaram o Maslach Burnout Inventory (MBI) para avaliar os desfechos, os autores observaram reduções estatisticamente significativas, porém modestas, em alguns domínios do MBI como exaustão emocional (20 estudos), despersonalização (17 estudos) e realização pessoal (16 estudos). Embora as intervenções levem a pequenas reduções nos escores dos instrumentos de avaliação de burnout, esses efeitos são provavelmente insuficientes para mudanças clinicamente significativas.
A maior parte das evidências sobre fatores associados à síndrome de burnout em médicos deriva de estudos transversais, os quais, por sua natureza observacional e suscetibilidade a vieses de confusão, apresentam limitações substanciais para estabelecer relações de causalidade. Assim, a interpretação desses fatores como causas diretas pode levar ao desenvolvimento de intervenções potencialmente ineficazes ou de impacto restrito. É necessária uma compreensão mais aprofundada das causas estruturais da síndrome de burnout para o desenvolvimento de estratégias mais efetivas. Estratégias centradas exclusivamente na resiliência individual do médico parecem ser insuficientes para prevenir a síndrome de burnout.
Intervenções eficazes devem combinar ações voltadas para o bem-estar individual com transformações estruturais profundas nas organizações de saúde, incluindo redistribuição de tarefas administrativas, redução de sobrecarga laboral, promoção de autonomia clínica e suporte psicológico baseado em evidências. Uma abordagem sistêmica que implemente políticas institucionais que incentivem um ambiente acolhedor, mais seguro, e com melhores condições de trabalho ampliam a satisfação profissional e podem contribuir para a redução do impacto negativo do ambiente ocupacional .
Entretanto, o uso efetivo por médicos de programas institucionais de suporte à saúde mental é muito baixo. Barreiras como estigma, receio de impactos na carreira, preocupações com confidencialidade e indisponibilidade de tempo contribuem para essa lacuna entre disponibilidade e efetividade. Esses dados indicam que o simples oferecimento de programas de bem-estar não é suficiente; é necessário também promover cultura institucional que encoraje o acesso seguro e efetivo a esses recursos.
A síndrome de burnout entre médicos é uma realidade preocupante que compromete não apenas a saúde dos profissionais, mas também a qualidade da assistência prestada e a eficiência dos sistemas de saúde. Os principais fatores que impulsionam esse fenômeno estão fortemente relacionados às condições de trabalho, à sobrecarga profissional e à falta de suporte emocional e organizacional. A maioria dos estudos sobre a síndrome de burnout em médicos apresenta delineamento transversal e utiliza instrumentos autorrelatados. Embora esses estudos forneçam uma visão abrangente da prevalência e dos fatores associados, eles apresentam limitações metodológicas significativas, sobretudo pela impossibilidade de inferir causalidade. Embora questões individuais possam contribuir para o esgotamento, as evidências apontam que a solução requer mudanças estruturais e institucionais. Com a ampliação do conhecimento sobre a síndrome de burnout e suas consequências, espera-se que governos, gestores hospitalares e profissionais de saúde atuem conjuntamente para desenvolver soluções viáveis. Somente por meio de um esforço conjunto e da priorização da saúde ocupacional será possível criar um ambiente de trabalho mais equilibrado e promover melhores condições para os profissionais da medicina e, consequentemente, reduzir os efeitos dos transtornos relacionados.
Agradecemos ao Portal de Periódicos da CAPES pela disponibilização de acesso às bases de dados e periódicos científicos.
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