Filiação dos autores:
1 Professor, Faculdade de Medicina da Universidade Luterana do Brasil, ULBRA, Canoas, RS, Brasil. Preceptor do Ambulatório de Psiquiatria do Hospital Universitário de Canoas, Canoas, RS, Brasil.
2 Pós-Doutor em Medicina Molecular, Presidente, Associação Brasileira de Psiquiatria, ABP, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Editor-chefe responsável pelo artigo: Leandro Fernandes Malloy-Diniz
Contribuição dos autores segundo a Taxonomia CRediT: WeberCAT, Silva AG [1,12,13,14]
Conflito de interesses: declaram não haver.
Fonte de financiamento: não se aplica.
Parecer CEP: não se aplica.
Recebido em: 07/08/2025 | Aprovado em: 08/08/2025 | Publicado em: 13/08/2025
Como citar: Weber CAT, da Silva AG. BETS, uma praga que se alastra e mata. Debates Psiquiatr. 2025;15:1-16. https://doi.org/10.25118/2763-9037.2025.v15.1496
As apostas esportivas online, conhecidas como “BETs”, evoluíram rapidamente para um problema de saúde pública no Brasil. Facilitadas pelo amplo acesso a smartphones e a sistemas de pagamento instantâneo como o Pix, as apostas tornaram-se acessíveis a qualquer hora e em qualquer lugar. A ilusão de oportunidade e entretenimento mascara uma crise emergente de saúde mental, particularmente entre os jovens. O transtorno do jogo é reconhecido pelo DSM-5 como um transtorno aditivo, com mecanismos neurobiológicos semelhantes aos da dependência química. O contexto brasileiro configura um cenário particularmente preocupante: regulamentação frágil, marketing agressivo por parte das plataformas de apostas e preparo insuficiente dos serviços públicos de saúde. À medida que jovens enfrentam dificuldades financeiras, depressão, isolamento social e até ideação suicida, torna-se urgente implementar respostas preventivas e terapêuticas. Com base em evidências neurobiológicas relacionadas ao circuito de recompensa cerebral e em experiências internacionais, esta revisão narrativa defende políticas regulatórias, educacionais e assistenciais integradas para enfrentar as apostas online como um determinante significativo da saúde.
Palavras-chave: jogo online, saúde pública, adição comportamental, saúde do adolescente, Brasil, regulação.
Online sports betting, commonly referred to as "BETs," has rapidly evolved into a public health issue in Brazil. Enabled by widespread access to smartphones and instant payment systems such as Pix, betting has become available anytime and anywhere. The illusion of opportunity and entertainment conceals an emerging mental health crisis, particularly among youth. Gambling disorder is recognized in the DSM-5 as an addictive disorder, sharing neurobiological mechanisms with substance dependence. The Brazilian context presents a particularly concerning scenario: weak regulation, aggressive marketing by betting platforms, and insufficient preparedness of public health services. As young people face financial hardship, depression, social isolation, and even suicidal ideation, the implementation of preventive and therapeutic responses becomes urgent. Drawing on neurobiological evidence related to the brain's reward circuitry and on international experiences, this narrative review advocates for integrated regulatory, educational, and healthcare policies to address online betting as a significant social determinant of health.
Keywords: online gambling, public health, behavioral addiction, adolescent health, Brazil, regulation.
Las apuestas deportivas en línea, conocidas como "BETs", han evolucionado rápidamente hasta convertirse en un problema de salud pública en Brasil. Facilitadas por el amplio acceso a teléfonos inteligentes y a sistemas de pago instantáneo como el Pix, las apuestas se han vuelto accesibles en cualquier momento y lugar. La ilusión de oportunidad y entretenimiento oculta una crisis emergente de salud mental, especialmente entre los jóvenes. El trastorno por juego está reconocido por el DSM-5 como un trastorno adictivo, con mecanismos neurobiológicos similares a los de la dependencia a sustancias. El contexto brasileño configura un escenario particularmente preocupante: regulación débil, marketing agresivo por parte de las plataformas de apuestas y preparación insuficiente de los servicios públicos de salud. A medida que los jóvenes enfrentan dificultades económicas, depresión, aislamiento social e incluso ideación suicida, se vuelve urgente implementar respuestas preventivas y terapéuticas. Basado en evidencia neurobiológica relacionada con el circuito de recompensa cerebral y en experiencias internacionales, este revisión narrativa aboga por políticas integradas de regulación, educación y atención sanitaria para abordar las apuestas en línea como un determinante significativo de la salud.
Palabras clave: juego en línea, salud pública, adicción conductual, salud del adolescente, Brasil, regulación.
As apostas esportivas online se consolidaram rapidamente como um fenômeno de expansão significativa no Brasil. Graças à popularização dos smartphones e à facilidade proporcionada por sistemas de pagamento instantâneo, como o Pix, tornou-se possível para qualquer pessoa realizar apostas de maneira simples e rápida, em praticamente qualquer lugar e a qualquer momento.
O que até pouco tempo exigia o deslocamento físico até uma casa de apostas tradicional agora está ao alcance das mãos, por meio da tela de um dispositivo móvel, disfarçado sob a forma de um entretenimento aparentemente inofensivo e acessível a todos. Contudo, o crescimento acelerado dessa modalidade de jogo envolve riscos substanciais à saúde mental coletiva, apresentando impactos particularmente preocupantes entre adolescentes e jovens adultos .
Ainda que o fenômeno das apostas esportivas online esteja crescendo de maneira similar em outros países da América Latina, o presente estudo concentra-se exclusivamente no contexto brasileiro, dado seu mercado específico e as condições sociais e regulatórias que lhe são peculiares.
No Brasil, o aumento expressivo dessa prática tem sido estimulado por uma confluência de fatores: o acesso facilitado às tecnologias digitais, a intensa divulgação em mídias digitais e a ausência de regulamentação adequada para o setor. Esses elementos, combinados, criam um ambiente propício para a rápida disseminação das apostas, muitas vezes sem as salvaguardas necessárias para proteger os consumidores.
Para fins comparativos, é importante destacar que países como México, Colômbia, Peru e Chile vêm debatendo com mais intensidade legislações específicas voltadas para publicidade, proteção de menores e tributação do setor. Isso revela que o desafio das apostas esportivas online é regional, ainda que as análises e propostas apresentadas neste estudo estejam fundamentadas na realidade brasileira e busquem contribuir para o avanço das discussões no país .
Analisar as apostas esportivas online como um desafio emergente de saúde pública no Brasil.
Trata-se de uma revisão narrativa com escopo aplicado, desenvolvida com o objetivo de analisar os impactos das apostas esportivas online no contexto da saúde pública brasileira. A revisão foi conduzida entre janeiro e junho de 2025 e seguiu diretrizes metodológicas para revisões narrativas com rigor argumentativo e abrangência temática.
A estratégia de busca incluiu as bases de dados PubMed, Scopus, Google Scholar e SciELO, além de documentos públicos oficiais e relatórios técnico-científicos. Os seguintes descritores foram utilizados em combinações booleanas: (apostas esportivas OR sports betting) AND (jogo patológico OR gambling disorder) AND (saúde pública OR public health) AND (adoção tecnológica OR regulação) AND (adolescentes OR comportamento aditivo). O recorte temporal foi de 2013 a 2025, priorizando publicações a partir da introdução dos smartphones e da regulamentação emergente das apostas de quota fixa no Brasil.
Critérios de inclusão: Artigos revisados por pares que abordassem apostas esportivas online e saúde mental; Estudos clínicos, epidemiológicos, revisões sistemáticas, documentos institucionais e normativos com aplicação ao contexto brasileiro ou internacional comparável; Evidências sobre políticas públicas, neurociência do comportamento aditivo e regulação de apostas.
Critérios de exclusão: Estudos exclusivamente voltados ao jogo presencial; Publicações opinativas não embasadas em evidências empíricas.
A análise dos dados foi realizada por meio de leitura crítica e síntese narrativa das evidências, com ênfase nas interseções entre saúde mental, comportamento digital, políticas regulatórias e impacto psicossocial.
O Quadro 1 apresenta a estratégia metodológica de busca e seleção dos artigos desta revisão narrativa.
Em 2023, o mercado brasileiro de apostas movimentou mais de R$ 100 bilhões. Este crescimento tem sido impulsionado por campanhas publicitárias com celebridades e influenciadores, frequentemente voltadas para o público jovem .
Di Censo et al. examinaram a influência do marketing de apostas esportivas no comportamento de jovens, demonstrando que as estratégias publicitárias contribuem diretamente para a normalização do jogo e para o aumento da intenção de apostar. A pesquisa destaca que os anúncios costumam associar apostas a masculinidade, status e emoção, tendo maior impacto sobre homens jovens. A exposição contínua a esse tipo de marketing foi fortemente correlacionada com maior frequência de apostas e risco de desenvolvimento de problemas com o jogo, apontando para a necessidade urgente de regulamentação mais rigorosa da publicidade voltada ao público jovem.
A promessa de enriquecimento rápido se mostra especialmente sedutora entre pessoas de 15 a 30 anos, um grupo etário mais vulnerável a compulsões digitais .
Shaygan et al. investigaram os impactos das apostas esportivas problemáticas na saúde mental de adultos jovens, revelando associações significativas com sintomas elevados de depressão, ansiedade e estresse. Além disso, os participantes com padrões problemáticos de aposta demonstraram maior consumo de álcool e outras substâncias, assim como níveis reduzidos de bem-estar subjetivo e qualidade de vida. Os achados reforçam que o envolvimento frequente em apostas esportivas não é apenas uma atividade recreativa, mas um fator de risco relevante para prejuízos psicossociais entre jovens, destacando a urgência de medidas preventivas e intervenções clínicas direcionadas.
O transtorno do jogo foi reconhecido no DSM-III como transtorno do controle do impulso. Com base em novas evidências neurobiológicas, passou a ser classificado no DSM-5 como transtorno aditivo. Essa reclassificação decorre do reconhecimento de que o comportamento de aposta ativa os mesmos circuitos de recompensa cerebral implicados na dependência de substâncias, notadamente por meio da liberação de dopamina diante de ganhos intermitentes e situações de “quase acertos” .
Plataformas digitais exploram essas vulnerabilidades com sofisticação tecnológica. Seus algoritmos personalizam a experiência do usuário com estímulos que reforçam o comportamento compulsivo, como efeitos visuais, notificações de bônus, ciclos rápidos de recompensa e elementos de competição social, ativando regiões como o núcleo accumbens . Tais estímulos têm impacto ainda maior em adolescentes, cujo córtex pré-frontal está em desenvolvimento, comprometendo o julgamento e aumentando a impulsividade.
Valenciando-Mendoza et al. conduziram uma revisão sistemática que sintetizou as principais correlações clínicas associadas às apostas esportivas, evidenciando alta prevalência de comorbidades psiquiátricas, em especial transtornos de ansiedade, depressão e abuso de substâncias. O estudo apontou que apostadores esportivos frequentemente apresentam impulsividade elevada, déficits no controle inibitório e distorções cognitivas típicas, como a ilusão de controle. Esses marcadores clínicos específicos indicam que o comportamento de apostar em esportes se insere em um quadro mais amplo de disfunções psicológicas, exigindo abordagens terapêuticas adaptadas a esse perfil.
Barrera-Algarín et al. analisaram a ascensão das apostas esportivas online e o surgimento de um novo perfil de jogador com transtorno do jogo. Os autores identificaram um padrão preocupante entre jovens que, devido à ampla acessibilidade das plataformas digitais, à gratificação imediata e à intensa exposição ao marketing, tendem a iniciar precocemente e desenvolver rapidamente comportamentos de risco. O estudo ressalta a impulsividade e o uso frequente de tecnologias como fatores-chave desse novo perfil, sublinhando a necessidade de estratégias de prevenção que levem em conta o contexto digital como facilitador central do jogo problemático.
Dados internacionais ilustram o potencial de danos. Estudo dinamarquês com 1.381 indivíduos diagnosticados com transtorno do jogo revelou alta prevalência de comorbidades psiquiátricas (como depressão em 39,8%), criminalidade e altos custos para o sistema de saúde . No Reino Unido, 42% dos jovens de 18 a 24 anos apostaram online em 2023 . Um estudo longitudinal (2018–2020) demonstrou associação entre gravidade do transtorno do jogo e tentativas de suicídio, ressaltando a necessidade de intervenção precoce . Meta-análise recente estimou prevalências de 31,6% para ideação suicida e 13,2% para tentativas entre indivíduos com transtorno do jogo, com risco mais que dobrado em relação à população geral .
Países como o Reino Unido incorporaram o tema em suas diretrizes clínicas. O NICE recomenda que médicos perguntem aos pacientes sobre hábitos de jogo em consultas de rotina, visando identificação precoce e oferta de suporte . A Comissão de Saúde da The Lancet reconhece o jogo como prioridade global de saúde pública . A Austrália adotou limites de aposta diários, avisos obrigatórios e restrições à publicidade em horários familiares .
No Brasil, embora faltem dados populacionais amplos, estudos e relatos indicam aumento de endividamento, evasão escolar e ideação suicida entre jovens. Pesquisa nacional conduzida em 2024 mostrou que 44% dos apostadores perdem mais do que ganham, independentemente de sexo, idade ou região . O Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD III) mostrou que 14% dos adolescentes já apostaram na vida, e 10,5% no último ano .
A promulgação da Lei nº 14.790/2023 representou um marco importante ao regulamentar as apostas de quota fixa no Brasil, criando exigências para operadores, como licenciamento, tributação e medidas de integridade no jogo. Todavia, sua implementação prática ainda é incipiente e desigual, com lacunas normativas persistentes em áreas como publicidade dirigida ao público jovem, limites de gasto e mecanismos de proteção ao usuário vulnerável .
A revisão global de Killick e Griffiths traçou um panorama abrangente sobre as apostas esportivas em diferentes contextos culturais e legais, constatando um crescimento acelerado da prática em países com regulamentações mais permissivas. Apesar das variações regionais nas prevalências de jogo problemático, o padrão mais recorrente envolve jovens do sexo masculino, que concentram a maior parte dos danos financeiros, sociais e psicológicos associados. O estudo conclui que as apostas esportivas representam um problema de saúde pública global e defende a implementação de políticas regulatórias, campanhas educativas e oferta ampliada de serviços terapêuticos como medidas essenciais de enfrentamento.
A ausência de regulamentação clara sobre práticas de marketing digital e a falta de fiscalização ativa limitam o impacto imediato da legislação na contenção dos danos. Assim, embora constitua um avanço institucional relevante, a lei nº 14.790/2023 exige desdobramentos regulatórios mais firmes e orientados à saúde pública para que possa efetivamente mitigar os riscos psicossociais associados às apostas de quota fixa .
Sem descuido, merece registro o fato de que o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não está estruturado para atender essa demanda emergente. Poucos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-AD) possuem protocolos específicos, e a capacitação de profissionais sobre o transtorno do jogo é limitada .
Dessa forma, propõe-se a adoção de diretrizes regulatórias, descritas no Quadro 2, que visam reduzir riscos e ampliar proteção à população.
Cabe reforçar: o objetivo não é proibir o jogo em si, mas mitigar os danos do modelo digital atual, que apresenta assimetrias estruturais entre usuários vulneráveis e plataformas altamente lucrativas. O sistema é projetado para favorecer perdas repetidas, sustentando o lucro das operadoras. O reconhecimento das apostas online como um determinante social da saúde deve guiar a formulação de políticas baseadas em evidências. De um lado, a ampliação da resposta do SUS, a formação de profissionais, a inclusão do tema em programas escolares e a regulação efetiva do setor são medidas urgentes. De outro, a articulação entre estados e municípios brasileiros pode fortalecer os marcos regulatórios e subsidiar a produção de dados epidemiológicos mais robustos — fundamentais para enfrentar o problema com eficácia e justiça social.
Além das diretrizes propostas nesta revisão, o LENAD III apresentou um conjunto de recomendações estratégicas voltadas à mitigação dos danos associados às apostas esportivas online . As orientações reforçam a necessidade de uma abordagem intersetorial, combinando regulação, proteção, educação em saúde e financiamento de políticas públicas. Organizam-se em quatro eixos principais, conforme sumarizado no Quadro 3.
Essas recomendações expandem as diretrizes já discutidas, ao oferecerem um referencial mais alinhado às evidências epidemiológicas e às responsabilidades intersetoriais do Estado, servindo de esteira para a formulação de políticas públicas eficazes no enfrentamento dos impactos das BETs, sobretudo entre jovens e populações vulneráveis.
Em reforço, o Tribunal de Contas da União (TCU) publicou, em 2025, o Acórdão 1173/2025 - TCU - Plenário que sintetiza e traduz os principais achados da auditoria realizada sobre os impactos das apostas de quota fixa (“BETs”) na saúde pública brasileira. O documento evidencia que, desde a promulgação da Lei nº 13.756/2018 e sua atualização pela Lei nº 14.790/2023, o setor de apostas cresceu de forma vertiginosa, com movimentação estimada em até R$ 130 bilhões em 2024. O TCU destaca que esse crescimento desregulado tem levado ao comprometimento financeiro de muitas famílias, inclusive de beneficiários do Programa Bolsa Família, e contribuído para a desestruturação familiar e aumento do endividamento. Tais achados reforçam dados apresentados nesta revisão, oriundos de pesquisas acadêmicas e institucionais, ao apontar as apostas esportivas como um fator agravante de vulnerabilidades sociais e de risco psicossocial .
De forma complementar, o TCU identificou falhas importantes na atuação do Ministério da Saúde, como a ausência de indicadores específicos para o monitoramento da ludopatia, a escassez de campanhas educativas, a articulação frágil entre os setores envolvidos e a baixa capacidade instalada da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para atendimento dos casos. Pesquisa citada pelo tribunal revela que mais da metade dos profissionais do SUS (55,2%) não se sentem preparados para lidar com pacientes com transtorno do jogo. O órgão também criticou a ineficiência das ações protetivas voltadas a crianças, adolescentes e indivíduos já diagnosticados com dependência, e apontou que os esforços do Estado são desproporcionais frente à potência publicitária das operadoras de apostas. Em síntese, o acórdão conclui que as ações governamentais carecem de coordenação e efetividade, e recomenda o fortalecimento urgente do plano nacional de enfrentamento da ludopatia, com medidas voltadas à prevenção, detecção precoce, capacitação profissional e estruturação da rede assistencial .
Apesar da relevância do tema e da exploração teórica desenvolvida, esta investigação possui limitações que merecem ser reconhecidas. Primeiramente, há escassez de dados populacionais sistemáticos e atualizados no país sobre a prevalência e o impacto das apostas esportivas online, o que dificulta uma avaliação epidemiológica precisa. Muitos dos dados citados provêm de estudos internacionais ou de levantamentos institucionais recentes, com abrangência limitada.
De forma semelhante, os achados sobre transtornos mentais associados ao jogo baseiam-se, em parte, em inferências clínicas e relatos observacionais, o que restringe sua capacidade de generalização.
Outra limitação está na ausência de estudos longitudinais nacionais que correlacionem o uso de plataformas de aposta com desfechos psiquiátricos.
Ressalta-se, ainda, que a velocidade das mudanças legislativas e tecnológicas pode tornar parte da análise rapidamente desatualizada, o que reforça a necessidade de monitoramento contínuo e revisões periódicas da literatura e das políticas públicas.
A revisão apresentada se apoia em literatura científica internacional consolidada, dados institucionais nacionais emergentes e marcos conceituais da neurociência do comportamento aditivo. Contudo, a escassez de estudos longitudinais e de levantamentos epidemiológicos abrangentes no contexto brasileiro, confirma o caráter exploratório e propositivo deste trabalho.
O enfrentamento das apostas esportivas online requer respostas articuladas, baseadas em evidências científicas e sustentadas por políticas públicas eficazes. Diante do aumento do envolvimento de jovens em práticas de alto risco, da fragilidade regulatória e do impacto psicossocial crescente, torna-se imperativo fortalecer os sistemas de vigilância, assistência e prevenção.
A integração entre a regulação do setor, a formação de profissionais de saúde e as campanhas educativas é essencial para mitigar os danos associados. Políticas intersetoriais podem ampliar o alcance das ações preventivas e garantir maior proteção às populações em situação de vulnerabilidade.
Por fim, a ampliação do reconhecimento do transtorno do jogo como uma questão de saúde pública poderá promover intervenções mais precoces, reduzir custos sociais e contribuir significativamente para a proteção de indivíduos em risco. Trata-se de um passo fundamental para que o Brasil avance na construção de uma resposta eficaz e sustentada a esse desafio emergente.
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