Impactos da COVID-19 na população em situação de rua de Belo Horizonte: recorte de um estudo censitário

Resumo

Populações vulneráveis são aquelas expostas a danos em potencial a sua integridade física e mental, dentre elas temos a população em situação de rua. A vulnerabilidade relaciona-se a respostas fisiológicas distintas ao estresse levando a mecanismos adaptativos que podem ser deletérios aumentando a vulnerabilidade do indivíduo e sua susceptibilidade a doenças crônicas e transtornos mentais. A população em situação de rua é um fenômeno associado ao processo de urbanização já descrito em civilizações antigas descrevendo indivíduos em situação de mendicância representativos do processo de marginalização e exclusão social. Com a instituição da Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPSR) definiu-se que se trata de um grupo heterogêneo que tem em comum a pobreza extrema, a ruptura ou relações familiares frágeis e a falta de uma casa convencional. São, portanto, indivíduos com vínculos sociais quebrados e em vulnerabilidade econômica, sendo a dificuldade financeira desdobrada em falta de recursos básicos, como alimentação e itens básicos de higiene. A realização do censo de população de rua no Brasil teve início com Belo Horizonte e São Paulo, em 1998 e 2000, respectivamente. Já o primeiro levantamento em nível nacional foi realizado em 2007. Contabilizar e entender a população em situação de rua veio pouco depois da criação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) datada de 1993, a qual coloca a assistência social como política pública. O IV censo de população em situação de rua de Belo Horizonte visou dar seguimento aos estudos anteriores, avaliar impactos de intervenções e programas sociais prévios, destacar mudanças de perfil e proporcionar informações que proporcionem o desenvolvimento de políticas sociais mais efetivas e sustentáveis. Ainda, nessa dissertação foi feito um recorte dos dados de saúde mental e impactos da pandemia de COVID 19 na população em situação de rua. Esse estudo censitário ocorreu por um esforço conjunto do governo municipal, instituições relacionadas à assistência social e grupo de pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, NAVES (Núcleo de Pesquisa em Vulnerabilidade e Saúde). Foram encontrados 5344 indivíduos em situação de rua, sendo 2016 homens e 387 mulheres com idade média de 41,9 ± 12,5. A maioria da populaçao se auto-declarou como negra (81.4%) e heterossexual (90.2%). Nessa população 86.9% declaram que sabem ler e escrever. Dos recenseados, 66.7% estão inscritos no programa CADÚnico e 65.5% vivem ou já viveram em instituições de apoio como abrigos e albergues. Com relação a saúde, 40.5% apresenta alguma comorbidade e foi encontrada encontrada uma prevalência de 57.2% de transtornos mentais na população, com destaque para depressão (26%) e transtorno pelo uso de cigarro (53.6%), álcool (41.7%) e outras substâncias, . Dentre os motivos para estar na rua destacam-se problemas familiares (38.7%) e uso de álcool e drogas (23.1%). A população que entrou em situação de rua após a pandemia foi de 33% com uma de maior proporção de mulheres (18.2%) e de indivíduos alfabetizados (91.3%). Ademais, nessa população há diferenças entre os motivos relatados para estar em situação de rua, com uma redução daqueles que relatam problemas familiares (36.1%) e uso de álcool e drogas (18.8%). Nas limitações do estudo destaca-se a própria população estudada, por tratar-se de uma população móvel e de variabilidade acelerada. Destaca-se o aumento da população em situação de rua nos subgrupos de mulheres e idosos e altos índices de comorbidades psiquiátricas. A realização do censo auxilia na compreensão de uma tira da invisibilidade uma população marginalizada sendo esse um ponto de partida para transformar o interesse social e político.