Esquizofrenia e direito civil: repercussões médico-jurídicas à luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência

Autores

  • Remecildo Modesto Felismino Graduando, Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil https://orcid.org/0009-0005-9436-0334

DOI:

https://doi.org/10.25118/2763-9037.2025.v15.1443

Palavras-chave:

esquizofrenia, psicopatologia, saúde mental, Estatuto da Pessoa com Deficiência , discriminação psicológica, capacidade civil, discernimento, transtornos mentais

Resumo

Introdução: A promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) reformulou profundamente o conceito de capacidade civil no Brasil, promovendo a inclusão e priorizando a autonomia dos indivíduos com deficiência. A nova legislação alterou a teoria das capacidades no Código Civil, eliminando a incapacidade absoluta para pessoas com deficiência e restringindo-a aos menores de 16 anos. No entanto, essa mudança gerou debates sobre os impactos dessa presunção de capacidade civil plena, especialmente para indivíduos com transtornos mentais graves, como a esquizofrenia. Objetivo: Analisa criticamente a aplicação da norma, argumentando que a ausência do critério do discernimento pode comprometer a proteção de indivíduos cuja capacidade de tomada de decisão está significativamente prejudicada. Método:  Revisão narrativa de literatura interdisciplinar, com base em estudos das áreas de psicologia, especialmente psicologia comportamental e neuropsicologia e psiquiatria, examinando a evolução da conceituação clínica da esquizofrenia e sua compreensão atual na psiquiatria contemporânea. Resultados: A literatura psiquiátrica demonstra que a esquizofrenia, sobretudo em seus episódios agudos, provoca déficits cognitivos e executivos, dificultando a avaliação de riscos e a percepção da realidade. Conclusão: Sustenta-se que a exclusão do discernimento como critério para a aferição da capacidade civil resulta em um vácuo normativo que expõe essas pessoas a vulnerabilidades jurídicas e sociais. Propõe-se a revisão do modelo atual, com a reintegração do critério do discernimento ao ordenamento jurídico como forma de compatibilizar autonomia e proteção. Apenas por meio deste ajuste será possível garantir maior segurança jurídica e respeito à realidade psiquiátrica dos indivíduos acometidos por transtornos mentais severos.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Métricas

Carregando Métricas ...

Biografia do Autor

Remecildo Modesto Felismino, Graduando, Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil

Referências

1. Kahn RS, Sommer IE, Murray RM. Neurobiologia da esquizofrenia. Annu Rev Neurosci. 2015;38:117-137. https://doi.org/10.1146/annurev-neuro-071714-033936 PMid:25897871 DOI: https://doi.org/10.1146/annurev-neuro-071714-033936

2. Nasar S. Uma mente brilhante. São Paulo: Companhia das Letras; 1999.

3. Kraepelin E. Dementia Praecox and Paraphrenia. Edinburgh: E. & S. Livingstone; 1919.

4. Bleuler E. Dementia Praecox oder die Gruppe der Schizophrenien. Leipzig: Deuticke; 1911.

5. Schneider K. Clinical Psychopathology. Hamilton MW, translator. New York: Grune & Stratton; 1959.

6. Andreasen NC. Symptoms, signs, and diagnosis of schizophrenia. Lancet. 1995;346(8973):477-81. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(95)91325-4 PMid: 7637483 DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(95)91325-4

7. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 5th ed. Washington, DC: American Psychiatric Association; 2022. https://doi.org/10.1176/appi.books.9780890425787 DOI: https://doi.org/10.1176/appi.books.9780890425787

8. Organização Mundial da Saúde. Classificação Internacional de Doenças para Estatísticas de Mortalidade e Morbidade. 11a ed. Genebra: OMS; 2019.

9. Howes OD, Kapur S. The dopamine hypothesis of schizophrenia: version III-the final common pathway. Schizophr Bull. 2009;35(3):549-62. https://doi.org/10.1093/schbul/sbp006 PMid:19325164 PMCid:PMC2669582 DOI: https://doi.org/10.1093/schbul/sbp006

10. Abi-Dargham A. Do we still believe in the dopamine hypothesis? New evidence from brain imaging. Int J Neuropsychopharmacol. 2004;6(Suppl 1):S1-5. https://doi.org/10.1017/S1461145704004110 PMid: 14972078 DOI: https://doi.org/10.1017/S1461145704004110

11. Javitt DC. Glutamate and schizophrenia: phencyclidine, N-methyl-D-aspartate receptors, and dopamine-glutamate interactions. Int Rev Neurobiol. 2007;78:69-108. https://doi.org/10.1016/S0074-7742(06)78003-5 PMid:17349858 DOI: https://doi.org/10.1016/S0074-7742(06)78003-5

12. Lewis DA, Hashimoto T, Volk DW. Cortical inhibitory neurons and schizophrenia. Nat Rev Neurosci. 2005 Apr;6(4):312-24. https://doi.org/10.1038/nrn1648 PMid:15803162 DOI: https://doi.org/10.1038/nrn1648

13. Gonzalez-Burgos G, Lewis DA. NMDA receptor hypofunction, parvalbumin-positive neurons, and cortical gamma oscillations in schizophrenia. Schizophr Bull. 2012 Sep;38(5):950-7. https://doi.org/10.1093/schbul/sbs010 PMid:22355184 PMCid:PMC3446219 DOI: https://doi.org/10.1093/schbul/sbs010

14. Wright IC, Rabe-Hesketh S, Woodruff PW, David AS, Murray RM, Bullmore ET. Meta-analysis of regional brain volumes in schizophrenia. Am J Psychiatry. 2000;157(1):16-25. https://doi.org/10.1176/ajp.157.1.16 PMid:10618008 DOI: https://doi.org/10.1176/ajp.157.1.16

15. van Os J, Linscott RJ, Myin-Germeys I, Delespaul P, Krabbendam L. A systematic review and meta-analysis of the psychosis continuum: evidence for a psychosis proneness-persistence-impairment model of psychotic disorder. Psychol Med.2009;39(2):179-195. https://doi.org/10.1017/S0033291708003814 PMid:18606047 DOI: https://doi.org/10.1017/S0033291708003814

16. Green MF, Kern RS, Heaton RK. Longitudinal studies of cognition and functional outcome in schizophrenia: implications for MATRICS. Schizophr Res. 2004;72(1):41-51. https://doi.org/10.1016/j.schres.2004.09.009 PMid:15531406 DOI: https://doi.org/10.1016/j.schres.2004.09.009

17. Murray RM, Bhavsar V, Trémeau F, Howes O. 30 years on: How the neurodevelopmental hypothesis of schizophrenia morphed into the developmental risk factor model of psychosis. Schizophr Bull. 2017;43(6):1190-1196. https://doi.org/10.1093/schbul/sbx121 PMid:28981842 PMCid:PMC5737804 DOI: https://doi.org/10.1093/schbul/sbx121

18. Damásio AR. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras; 1996.

19. Villas Boas CA. Avaliação comportamental e eletrofisiológica da atividade do córtex pré-frontal em processos de tomada de decisões em ratos [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2015. https://doi.org/10.11606/T.41.2015.tde-20052015-095851 DOI: https://doi.org/10.11606/T.41.2015.tde-20052015-095851

20. Bechara A, Damasio H, Damasio AR, Anderson SW. Insensitivity to future consequences following damage to human prefrontal cortex. Cognition. 1994;50(1-3):7-15. https://doi.org/10.1016/0010-0277(94)90018-3 PMid:8039375 DOI: https://doi.org/10.1016/0010-0277(94)90018-3

21. Rolls ET. The orbitofrontal cortex and reward. Cereb Cortex. 2000;10(3):284-94. https://doi.org/10.1093/cercor/10.3.284 PMid:10731223 DOI: https://doi.org/10.1093/cercor/10.3.284

22. Millan MJ, Agid Y, Brüne M, Bullmore ET, Carter CS,Clayton NS, Connor R, Davis S, Deakin B, DeRubeis RJ, Dubois B, Geyer MA, Goodwin GM, Gorwood P, Jay TM, Joëls M, Mansuy IM, Meyer-Lindenberg A,Murphy D, Rolls E, Saletu B, Spedding M, Sweeney J, Whittington M, Young LJ. Cognitive dysfunction in psychiatric disorders: Characteristics, causes and the quest for improved therapy. Nat Rev Drug Discov. 2012;11(2):141-68. https://doi.org/10.1038/nrd3628 PMid:22293568 DOI: https://doi.org/10.1038/nrd3628

23. Niedźwiadek S, Szulc A. Schizophasia and cognitive impairment in schizophrenia: a literature review. Brain Sci. 2025;15(1):25. https://doi.org/10.3390/brainsci15010025 PMid:39851393 PMCid:PMC11763409 DOI: https://doi.org/10.3390/brainsci15010025

24. Trivedi JK. Cognitive deficits in psychiatric disorders: Current status. Indian J Psychiatry. 2006;48(1):10-20. https://doi.org/10.4103/0019-5545.31613 PMid:20703409 PMCid:PMC2913637 DOI: https://doi.org/10.4103/0019-5545.31613

25. Cotrena C, Branco LD, Shansis FM, Fonseca RP. Executive function impairments in depression and bipolar disorder: Association with functional impairment and quality of life. J Affect Disord. 2016; 190, 744-53. https://doi.org/10.1016/j.jad.2015.11.007 PMid:26606718 DOI: https://doi.org/10.1016/j.jad.2015.11.007

26. Orellana G, Slachevsky A. Executive functioning in schizophrenia. Front Psychiatry. 2013;4:35. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2013.00035 DOI: https://doi.org/10.3389/fpsyt.2013.00035

27. Bechara A, Damasio H, Damasio AR. Emotion, decision making and the orbitofrontal cortex. Cereb Cortex. 2000;10(3):295-307. https://doi.org/10.1093/cercor/10.3.295 PMid:10731224 DOI: https://doi.org/10.1093/cercor/10.3.295

28. Whitton AE, Treadway MT, Pizzagalli DA. Reward processing dysfunction in major depression, bipolar disorder and schizophrenia. Curr Opin Psychiatry. 2016;28(1):7-12. https://doi.org/10.1097/YCO.0000000000000122 PMid:25415499 PMCid:PMC4277233 DOI: https://doi.org/10.1097/YCO.0000000000000122

29. Robinson OJ, Vytal K, Cornwell BR, Grillon C. The impact of anxiety upon cognition: Perspectives from human threat of shock studies. Front Hum Neurosci. 2013; 7(203):1-21. https://doi.org/10.3389/fnhum.2013.00203 PMid: 23730279 PMCid: PMC3656338 DOI: https://doi.org/10.3389/fnhum.2013.00203

30. Delgado MR, Beer JS, Fellows LK, Huettel AS, Platt M, Quirk GJ, Schiller D. Viewpoints: Dialogues on the functional role of the ventromedial prefrontal cortex. Nat Neurosci. 2016;19(12):1545-52. https://doi.org/10.1038/nn.4438 PMid:27898086 DOI: https://doi.org/10.1038/nn.4438

31. Freeman D, Garety PA, Kuipers E, Fowler D, Bebbington PE. A cognitive model of persecutory delusions. Br J Clin Psychol. 2002;41(Pt 4):331-47. https://doi.org/10.1348/014466502760387461 PMid:12437789 DOI: https://doi.org/10.1348/014466502760387461

32. Bentall RP, Corcoran R, Howard R, Blackwood N, Kinderman P. Persecutory delusions: a review and theoretical integration. Clin Psychol Rev. 200;21(8):1143-92. https://doi.org/10.1016/S0272-7358(01)00106-4 PMid:11702511 DOI: https://doi.org/10.1016/S0272-7358(01)00106-4

33. Tsimploulis G, Niveau G, Eytan A, Giannakopoulos P, Sentissi O. Schizophrenia and criminal responsibility: a systematic review. J Nerv Ment Dis. 2018 May;206(5):370–377. https://doi.org/10.1097/NMD.0000000000000805 PMid:29652769 DOI: https://doi.org/10.1097/NMD.0000000000000805

34. Kahneman D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva; 2012. ISBN: 978-85-359-1986-9

35. Pereira CMS. Instituições de Direito Civil. Vol. 1. 25a. ed. Rio de Janeiro: Forense; 2002.

36. Alves ML. Em defesa da restauração do discernimento como critério para a incapacidade de fato. Rev Bras Direito Civ. 2019;19(1):39-61. https://doi.org/10.33242/rbdc.2019.01.003 DOI: https://doi.org/10.33242/rbdc.2019.01.003

37. Aristóteles. Ética a Nicômaco. 6a ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília; 2001.

Downloads

Publicado

2025-05-20

Como Citar

1.
Felismino RM. Esquizofrenia e direito civil: repercussões médico-jurídicas à luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Debates em Psiquiatria [Internet]. 20º de maio de 2025 [citado 13º de junho de 2025];15:1-17. Disponível em: https://revistardp.org.br/revista/article/view/1443

Edição

Seção

Artigos de Revisão

Plaudit